As regiões do Alto e Médio São Francisco, localizadas no Estado de Minas Gerais, são responsáveis pela formação de cerca de 70% do volume da água existente no Velho Chico. O Estado de Minas é, portanto, o nascedouro e o principal responsável pela gênese volumétrica daquele rio, caudal que tem uma vazão média histórica de cerca de 2800 m³/s.
A construção da represa de Sobradinho, no final de seu Médio curso, com capacidade de 34 bilhões de m³ (volume correspondente a aproximadamente 14 baías da Guanabara), foi de fundamental importância para a regularização da vazão do rio, cabendo às chuvas, que ocorrem sobre as citadas regiões mineiras, a manutenção do regime de enchimento da referida represa. Elas são intensas, no período de novembro a abril, intervalo no qual Sobradinho pode atingir a sua capacidade máxima; e reduzidas de intensidade, de maio a outubro, quando a represa utiliza o volume acumulado, no período chuvoso, para a manutenção da vazão do rio, nos seus cursos Submédio e Baixo São Francisco, regiões onde estão localizadas suas usinas hidrelétricas.
O ex- ministro de Minas e Energia, José Jorge, em pronunciamento no Senado Federal, em 2002, alertou a Nação brasileira sobre o indesejável risco hidrológico existente quanto ao uso das águas do Rio São Francisco o qual, segundo ele, deveria exigir atenção redobrada, por parte das autoridades do setor elétrico. Infelizmente foi ignorado, como se não houvesse irrigação na bacia do rio, e o estoque de água de Sobradinho – à época com 40% de sua capacidade útil – estivesse em níveis satisfatórios, sem haver, portanto, a probabilidade de novos racionamentos de energia, como ocorreu em 2001.
Sua excelência estava com a razão ao fazer aquele pronunciamento, como se demonstra, a seguir, de forma muito simples: em outubro de 1955, o rio São Francisco apresentou um volume de apenas 595 m³/s, tendo registrado, em anos subsequentes, enchentes monumentais, de cerca de 20 mil m³/s. Essa característica hidrológica do rio (secas e enchentes em sua calha) demandava um mecanismo que, além de regularizar sua vazão, impedindo comprometimento na geração de energia no Complexo de Paulo Afonso, amortecesse os piques de cheias frequentes em sua bacia hidrográfica. A solução encontrada pela Chesf foi a construção da barragem de Sobradinho, que conseguiu a proeza de regularizar a amplitude volumétrica que havia até então, mantendo a vazão média do rio em 2060 m³/s.
Ocorre que, a caída de chuvas abaixo da média se tornou um fato corriqueiro na bacia do São Francisco. Esse fenômeno, aliado ao uso indiscriminado de suas águas nos projetos de irrigação, bem como nas atividades interligadas ao setor elétrico brasileiro (as hidrelétricas do São Francisco têm gerado e enviado energia para consumo em outras regiões do País), vêm resultando em frequentes depreciações da represa de Sobradinho, a ponto de torná-la, cada vez mais, incapaz de cumprir os objetivos para os quais foi idealizada. Para se ter ideia dessa problemática, no mês de abril do corrente (2013), a represa de Sobradinho, que deveria estar próxima ao vertimento (sangria), apresentava, apenas, cerca de 35% do seu volume útil. Muito pouco, portanto, para uma represa que tem importância vital no atendimento das demandas do setor elétrico nordestino.As consequências disso passaram a se refletir em dificuldades na geração de energia pelo sistema Chesf. O sistema já não consegue mais gerar a energia necessária para o desenvolvimento do Nordeste. Em 2010, por exemplo, as suas hidrelétricas geraram 6000 MW médios e a região necessitou de 8000 MW médios. Dois mil megawatts médios já tiveram que vir de outras regiões geradoras do País.
Atualmente, no mês de novembro, Sobradinho encontra-se com menos de 25% de sua capacidade. Só há uma maneira para se recuperar uma represa desse porte: fazendo com que o volume de água que entra (volume afluente), seja maior do que o volume que sai dela (volume defluente). Tentando minimizar o problema, a Chesf conseguiu autorização da Agência Nacional de Águas (ANA) para lançar, de Sobradinho para o Submédio e Baixo São Francisco, cerca de 1100 m³/s, o que contraria uma determinação do IBAMA, que exige, em sua foz, volume de cerca de 1300 m³/s, as chamadas vazões ecológicas.
Temos acompanhado sistematicamente de perto o regime de recuperação volumétrica daquela represa e publicado as informações no Portal Rema Atlântico. Ora, se atualmente estão sendo lançados, de Sobradinho para o Sub Médio e o Baixo São Francisco, apenas cerca de 1100 m³/s, um volume muito parecido deve estar chegando à foz do rio. E, quando isso ocorre, o peixe desaparece das redes dos pescadores, os bancos de areia se evidenciam e a cunha salina tende a adentrar mais ainda em direção à nascente do rio.
Ainda em relação às questões volumétricas do Velho Chico, José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, experiente hidrogeólogo paraibano, relata, em um de seus trabalhos, a influência das vazões de base, provenientes dos principais aquíferos do São Francisco, na garantia da regularização do rio. Nesse trabalho, ele alerta sobre as consequências que a exploração da água nos projetos de irrigação, sem o devido controle, poderá exercer no fluxo basal ao escoamento fluvial que chega a Sobradinho, o que poderá acarretar, em futuro próximo, a redução significativa da vazão de regularização da referida represa, com reflexos nefastos na geração de energia e no atendimento de outras demandas, inclusive no projeto de transposição.
Essas análises de Patrocínio são muito pertinentes e já nos levam a crer que a vazão regularizada do Velho Chico já está sofrendo influências reais, sobretudo da irrigação pesada, com a utilização de fortes demandadores de água, a exemplo do pivô central, sobre o aquífero Urucuia, no extremo oeste da Bahia, principalmente nas culturas do café e da soja. Nossa crença se deve à observação do comportamento da vazão média regularizada do rio que vem caindo de forma assustadora: após a construção de Sobradinho, se apresentava na esfera dos 2060 m³/s. Atualmente, mensurações dão conta de cerca de 1850 m³/s, em sua foz. Esse fato nos tem preocupado sobremaneira, principalmente em relação aos alertas de Patrocínio.
Fizemos questão de fazer esse breve histórico da problemática da vazão do Rio São Francisco, para mostrar a incapacidade do rio de comprometimento com novas demandas, principalmente aquelas que surgirão quando da ampliação do parque de geração de energia elétrica da região.
Essa questão da geração de energia em rios com problemas de vazão foi questionada por Célio Bermann, ao escrever o capítulo Impasses e controvérsias da hidreletricidade, no Dossiê de Energia da USP (vol 21 nº 59 jan/abr 2007), o qual tratou da complementação da motorização do sistema elétrico do complexo Chesf. No referido capítulo Bermann menciona o seguinte:
“A Usina de Xingó foi projetada para abrigar dez turbinas de 500 MW, de forma a possuir uma capacidade instalada total de 5.000 MW. Entretanto, atualmente apenas seis turbinas estão instaladas. Trata-se, portanto, de 2.000 MW que poderiam ser acrescentados se as outras quatro turbinas previstas fossem instaladas. A Usina de Itaparica também apresenta condições semelhantes. Projetada inicialmente com dez turbinas de 250 MW, ela conta atualmente com apenas seis turbinas, perfazendo 1.500 MW. Outros 1.000 MW poderiam ser acrescentados se as turbinas fossem instaladas. Com respeito às duas usinas no rio São Francisco, continua Bermann, a Companhia Hidrolétrica do São Francisco alega que houve um superdimensionamento nos dois projetos e que não existe água suficiente (grifo nosso) para efetivar a complementação da motorização de ambas.”
Usina Hidrelétrica de Xingó, Canindé de São Francisco, SE. Foto de Gilton Goes, in Panoramio, podendo-se observar em seu lado esquerdo superior, os quatro orifícios na parede represa, para futuras instalações de máquinas.
Usina Hidrelétrica de Xingó, Canindé de São Francisco, SE. Foto de Gilton Goes, in Panoramio, podendo-se observar em seu lado esquerdo superior, os quatro orifícios na parede represa, para futuras instalações de máquinas.
Foi nesse cenário de penúria hídrica, que recentemente tivemos acesso a um vídeo publicitário, que mostra as pretensões do Governo Federal de construir uma nova hidrelétrica, a montante de Xingó e do complexo de Paulo Afonso: A Hidrelétrica de Riacho Seco.
Essa hidrelétrica, localizada no município de Santa Maria da Boa Vista (PE), próxima ao lugarejo denominado Riacho Seco, faz jus ao nome que recebeu. A geologia da região é de embasamento Cristalino e os cursos d´água existentes na localidade são temporários (eles interrompem seus fluxos na época de estiagem).
De acordo com o vídeo em questão, essa hidrelétrica, operará a fio d´água, com 8 máquinas tipo Bulbo, utilizando baixa queda (cerca de 9 m) e grandes vazões, com potência total de 276 MW e custo estimado em R$ 1,5 bilhão de reais. Pelo fato de ser a fio d´água, essa hidrelétrica não terá reservatório de acumulação (as águas atingirão apenas a cota máxima de cheias do rio) e, portanto, não terá poder de regularização de vazões a sua jusante.
Ora, fica muito difícil de entender o fato acima relatado, principalmente diante da impossibilidade da conclusão da motorização de Itaparica e Xingó, devido à inexistência de vazão no rio. Apesar de sabedoras dos indesejáveis riscos hidrológicos existentes no Rio São Francisco, mesmo assim, as autoridades elaboraram a proposta para construção dessa nova hidrelétrica a montante de Itaparica, em cujo local são frequentemente auferidas vazões diminutas e, portanto, inadequadas à geração de energia com a segurança desejada. O rio São Francisco não terá vazão suficiente para gerar energia com essa nova hidrelétrica! Por que 8 máquinas, em vez de 3 ou 4? Não seria, portanto, muito mais lógico e economicamente mais barato, a motorização de mais uma máquina em Itaparica, cuja potência equivale àquela que poderá ser gerada pelas 8 máquinas de Riacho Seco, do que se partir para a construção de uma nova hidrelétrica no rio?
Finalmente, e diante do relato acima, torna-se imperioso que as autoridades do setor elétrico do nosso País divulguem, junto à sociedade nordestina, documentos que atestem não só a viabilidade técnica e econômica da construção da Hidrelétrica de Riacho Seco (em local cuja vazão do rio está sendo deliberadamente manipulada em detrimento da recuperação volumétrica da represa de Sobradinho), como também justifiquem a impossibilidade de conclusão da motorização das hidrelétricas de Itaparica e Xingó (localizadas em sua parte jusante), em razão da debilidade hídrica no rio para o atendimento das demandas do setor elétrico. Com a palavra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).
O Rio São Francisco é um dos mais importantes rios da América do Sul e o único rio genuinamente brasileiro. No entanto, tem passado por momentos cada vez mais difíceis de degradação e consequentemente a população que dele vive também tem sentido esses efeitos. “Desde junho que a situação aqui tá bem grave. A gente vinha armazenando o pescado, mas isso até junho. Agora não temos mais armazenado e o pescado está cada vez mais defasado no rio, não temos como repor. O pescado sumiu. Tem pescador passando fome”, alerta a pescadora Iranyr da Silva dos Santos, de Remanso, na Bahia, conhecida como Danduca. Ela também é presidente da Associação de Pescadores e Pescadoras de Remando (APPR), liderada por mulheres.
O alerta que Danduca faz com relação a situação do Rio São Francisco também vem sendo feito por outras organizações que atuam na região há bastante tempo, mas também por especialistas e estudiosos da hidrologia. Em 2014, a nascente do rio localizada no município de São Roque, na região da Serra da Canastra, em Minas Gerais, secou. Passou por uma revitalização e voltou a brotar água, mas ainda está em situação de alerta. E essa é uma situação que todo o rio tem passado, mas o motivo não é só a falta de chuvas. O São Francisco é um rio de usos múltiplos e muitas dessas ações têm degradado a cada dia mais a situação do rio desde séculos passados.
Para Roberto Malvezzi, Gogó, colaborador da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e da Articulação Popular São Francisco Vivo, esse processo de degradação do rio começa com os vapores ainda no século 19, com o desmatamento das matas ciliares para abastecer os vapores com lenha. “Depois toda entrada do capital no São Francisco que começa no ano de 1945 com a criação da Chesf [Companhia Hidroelétrica do São Francisco], em seguida com a barragem de Paulo Afonso, depois com as Três Marias e a decisiva pra marcar a situação atual é, sobretudo, a construção da barragem de Sobradinho de 1975 a 1979. Aí o rio foi dividido no meio e junto com a barragem de Sobradinho veio todo o processo de irrigação no Vale do São Francisco”, explica Gogó.
Danduca lembra bem como o processo de construção da barragem de Sobradinho se deu e como isso já impactou na vida da população local. “Eles não prejudicaram só o Rio, mas toda a nação ribeirinha. Eles fazem barragem, mas não sabem fazer água e pegaram o povo(,) tiraram da beira do rio e levaram pras agrovilas. Morreu gente de depressão, gente que sumiu, gente morreu do coração”, conta a pescadora com bastante tristeza.
Para o engenheiro agrônomo, especialista em convivência com o Semiárido e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), João Suassuna, a situação do Rio São Francisco é muito preocupante. "Tenho mantido contato com técnicos muito capazes na área de hidrologia e temos obtido diagnósticos com relação a situação do rio. O hidrólogo José do Patrocínio passou um diagnóstico dessa situação lamentável na atualidade. Ele está prevendo até o final de novembro que Sobradinho, que é a represa construída para possibilitar a geração segura de energia, que essa reserva chegue ao volume morto agora final de novembro. Sobradinho tem seis turbinas para gerar energia e elas estão desativadas. A água que está caindo da represa tá passando toda pro complexo de Paulo Afonso”, alerta o pesquisador.
Em situações como essa de escassez de água, a prioridade deve ser para o abastecimento humano, garantindo água de beber, cozinhar e também para matar a sede dos animais, previsto na Lei de Recursos Hídricos Nº 9433/1997. Todos os outros usos econômicos estão subordinados a esses princípios fundamentais do uso da água. No entanto, nem sempre essa lógica tem sido seguida. “Sobretudo no Brasil a água para geração de energia elétrica acaba sendo prioridade e também, em vários lugares, a questão da irrigação. Temos isso aqui no Vale do São Francisco.
Tem muitas residências em Casa Nova, que é uma cidade na porta do lago [de Sobradinho, Bahia] que ficaram sem água quase esses dias, mas o braço do lago de Sobradinho que abastecia Casa Nova secou não por conta do abastecimento humano. Ele secou por conta do abastecimento dos projetos de irrigação. Ali a prioridade foi invertida”, explica Gogó.
A Articulação São Francisco Vivo coloca que os projetos do agronegócio com fruticultura irrigada, na região do Vale do São Francisco(,) consomem um volume excessivo de água e de forma predatória. Fora isso, os atuais 400.000 hectares irrigados na bacia do São Francisco contribuem em muito para a contaminação do Rio, dos seus afluentes e dos corpos subterrâneos.
Danduca coloca que os pescadores e pescadoras tem sentido na pele os efeitos da degradação do rio com a prioridade da água para esses projetos de fruticultura irrigada. “O lago de Sobradinho hoje está com 3,5% de capacidade apenas. Isso é alarmante! A água que existe tem ido para o agronegócio. A criação de animais está toda morrendo atolada na lama, porque tenta chegar onde tem água para beber. Mas a criação está magra, não tem resistência pra sair da lama atolada. Quando passamos por lá sentimos o cheiro podre, porque os animais têm morrido atolados. A lama dá na cintura”, conta.
Outra grande intervenção que vem acontecendo no São Francisco desde 2007 é a transposição do Rio. Proposta histórica, que vem sendo levantada como possibilidade desde a época do Império, está em obras nos últimos oito anos. No entanto, organizações da sociedade civil têm alertado desde antes das obras para o impacto ambiental e que é uma obra que não levará água para consumo das famílias da região, mas sim para grandes investimentos do agronegócio.
“A ASA não é favorável à transposição do Rio São Francisco porque essa é mais uma obra de combate à seca. Ela não se insere na perspectiva da convivência com o Semiárido. É uma obra grandiosa, que passa por uma pequena parte do Semiárido, não atende à população necessitada e se dirige aos mesmos projetos que estão se encaminhando à falência. Os mesmos projetos de fruticultura e de criação de camarão para exportação, que não são projetos que produzem alimentos para o Brasil. São ações para a exportação. Então a ASA avalia que esse tipo de ação não cabe”, pontua Naidison Baptista, coordenador da ASA pelo estado da Bahia.
Naidison lembra que quando se falou na transposição teve um forte debate sobre a revitalização do São Francisco, mas nada disso andou muito. “Foram feitas ações de esgotamento sanitário, que são importantes porque despoluem o rio, mas a revitalização, o cuidado com as nascentes, com as margens, o cuidado pra evitar o assoreamento com as matas ciliares isso tem pouca coisa ou nada sendo feito”, pontua.
Crise hídrica nacional - A situação do Rio São Francisco ainda é reflexo de uma crise hídrica que todo o país vive, resultado também das diversas ações humanas de degradação, que visão a lógica econômica em detrimento da preservação ambiental e da população ribeirinha dos rios brasileiros.
“O Cerrado está desmatado para plantar soja e capim pra boi. Ao depredar o Cerrado, depredamos as nascentes que abastecem os afluentes de diversos rios brasileiros e nascentes do próprio São Francisco. Não é questão só de ter mais ou menos água da chuva, mas a vitalidade do São Francisco depende de um conjunto de ações para além da chuva. Quando chegamos em Barreiras, na Bahia, se vê soja em todo canto, agrotóxico e assoreamento das margens do Rio e isso não tem controle e cada um vai fazendo o que deve fazer para obter resultados imediatos. É um projeto de desenvolvimento de nação que visa exportar e depredar a natureza”, alerta Naidison.
As regiões do Alto e Médio São Francisco, localizadas no Estado de Minas Gerais, são responsáveis pela formação de cerca de 70% do volume da água existente no Velho Chico. O Estado de Minas é, portanto, o nascedouro e o principal responsável pela gênese volumétrica daquele rio, caudal que tem uma vazão média histórica de cerca de 2800 m³/s. A construção da represa de Sobradinho, no final de seu Médio curso, com capacidade de 34 bilhões de m³ (volume correspondente a aproximadamente 14 baías da Guanabara), foi de fundamental importância para a regularização da vazão do rio, cabendo às chuvas, que ocorrem sobre as citadas regiões mineiras, a manutenção do regime de enchimento da referida represa. Elas são intensas, no período de novembro a abril, intervalo no qual Sobradinho pode atingir a sua capacidade máxima; e reduzidas de intensidade, de maio a outubro, quando a represa utiliza o volume acumulado, no período chuvoso, para a manutenção da vazão do rio, nos seus cursos Submédio e Baixo São Francisco, regiões onde estão localizadas suas usinas hidrelétricas.
O ex- ministro de Minas e Energia, José Jorge, em pronunciamento no Senado Federal, em 2002, alertou a Nação brasileira sobre o indesejável risco hidrológico existente quanto ao uso das águas do Rio São Francisco o qual, segundo ele, deveria exigir atenção redobrada, por parte das autoridades do setor elétrico. Infelizmente foi ignorado, como se não houvesse irrigação na bacia do rio, e o estoque de água de Sobradinho – à época com 40% de sua capacidade útil – estivesse em níveis satisfatórios, sem haver, portanto, a probabilidade de novos racionamentos de energia, como ocorreu em 2001.
Sua excelência estava com a razão ao fazer aquele pronunciamento, como se demonstra, a seguir, de forma muito simples: em outubro de 1955, o rio São Francisco apresentou um volume de apenas 595 m³/s, tendo registrado, em anos subsequentes, enchentes monumentais, de cerca de 20 mil m³/s. Essa característica hidrológica do rio (secas e enchentes em sua calha) demandava um mecanismo que, além de regularizar sua vazão, impedindo comprometimento na geração de energia no Complexo de Paulo Afonso, amortecesse os piques de cheias frequentes em sua bacia hidrográfica. A solução encontrada pela Chesf foi a construção da barragem de Sobradinho, que conseguiu a proeza de regularizar a amplitude volumétrica que havia até então, mantendo a vazão média do rio em 2060 m³/s.
Ocorre que, a caída de chuvas abaixo da média se tornou um fato corriqueiro na bacia do São Francisco. Esse fenômeno, aliado ao uso indiscriminado de suas águas nos projetos de irrigação, bem como nas atividades interligadas ao setor elétrico brasileiro (as hidrelétricas do São Francisco têm gerado e enviado energia para consumo em outras regiões do País), vêm resultando em frequentes depreciações da represa de Sobradinho, a ponto de torná-la, cada vez mais, incapaz de cumprir os objetivos para os quais foi idealizada. Para se ter ideia dessa problemática, no mês de abril do corrente (2013), a represa de Sobradinho, que deveria estar próxima ao vertimento (sangria), apresentava, apenas, cerca de 35% do seu volume útil. Muito pouco, portanto, para uma represa que tem importância vital no atendimento das demandas do setor elétrico nordestino.
As consequências disso passaram a se refletir em dificuldades na geração de energia pelo sistema Chesf. O sistema já não consegue mais gerar a energia necessária para o desenvolvimento do Nordeste. Em 2010, por exemplo, as suas hidrelétricas geraram 6000 MW médios e a região necessitou de 8000 MW médios. Dois mil megawatts médios já tiveram que vir de outras regiões geradoras do País.
Atualmente, no mês de novembro, Sobradinho encontra-se com menos de 25% de sua capacidade. Só há uma maneira para se recuperar uma represa desse porte: fazendo com que o volume de água que entra (volume afluente), seja maior do que o volume que sai dela (volume defluente). Tentando minimizar o problema, a Chesf conseguiu autorização da Agência Nacional de Águas (ANA) para lançar, de Sobradinho para o Submédio e Baixo São Francisco, cerca de 1100 m³/s, o que contraria uma determinação do IBAMA, que exige, em sua foz, volume de cerca de 1300 m³/s, as chamadas vazões ecológicas.
Temos acompanhado sistematicamente de perto o regime de recuperação volumétrica daquela represa e publicado as informações no Portal Rema Atlântico. Ora, se atualmente estão sendo lançados, de Sobradinho para o Sub Médio e o Baixo São Francisco, apenas cerca de 1100 m³/s, um volume muito parecido deve estar chegando à foz do rio. E, quando isso ocorre, o peixe desaparece das redes dos pescadores, os bancos de areia se evidenciam e a cunha salina tende a adentrar mais ainda em direção à nascente do rio.
Ainda em relação às questões volumétricas do Velho Chico, José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, experiente hidrogeólogo paraibano, relata, em um de seus trabalhos, a influência das vazões de base, provenientes dos principais aquíferos do São Francisco, na garantia da regularização do rio.
Nesse trabalho, ele alerta sobre as consequências que a exploração da água nos projetos de irrigação, sem o devido controle, poderá exercer no fluxo basal ao escoamento fluvial que chega a Sobradinho, o que poderá acarretar, em futuro próximo, a redução significativa da vazão de regularização da referida represa, com reflexos nefastos na geração de energia e no atendimento de outras demandas, inclusive no projeto de transposição.
Essas análises de Patrocínio são muito pertinentes e já nos levam a crer que a vazão regularizada do Velho Chico já está sofrendo influências reais, sobretudo da irrigação pesada, com a utilização de fortes demandadores de água, a exemplo do pivô central, sobre o aquífero Urucuia, no extremo oeste da Bahia, principalmente nas culturas do café e da soja.
Nossa crença se deve à observação do comportamento da vazão média regularizada do rio que vem caindo de forma assustadora: após a construção de Sobradinho, se apresentava na esfera dos 2060 m³/s. Atualmente, mensurações dão conta de cerca de 1850 m³/s, em sua foz. Esse fato nos tem preocupado sobremaneira, principalmente em relação aos alertas de Patrocínio.
Fizemos questão de fazer esse breve histórico da problemática da vazão do Rio São Francisco, para mostrar a incapacidade do rio de comprometimento com novas demandas, principalmente aquelas que surgirão quando da ampliação do parque de geração de energia elétrica da região.
Essa questão da geração de energia em rios com problemas de vazão foi questionada por Célio Bermann, ao escrever o capítulo Impasses e controvérsias da hidreletricidade, no Dossiê de Energia da USP (vol 21 nº 59 jan/abr 2007), o qual tratou da complementação da motorização do sistema elétrico do complexo Chesf. No referido capítulo Bermann menciona o seguinte:
“A Usina de Xingó foi projetada para abrigar dez turbinas de 500 MW, de forma a possuir uma capacidade instalada total de 5.000 MW. Entretanto, atualmente apenas seis turbinas estão instaladas. Trata-se, portanto, de 2.000 MW que poderiam ser acrescentados se as outras quatro turbinas previstas fossem instaladas. A Usina de Itaparica também apresenta condições semelhantes. Projetada inicialmente com dez turbinas de 250 MW, ela conta atualmente com apenas seis turbinas, perfazendo 1.500 MW. Outros 1.000 MW poderiam ser acrescentados se as turbinas fossem instaladas. Com respeito às duas usinas no rio São Francisco, continua Bermann, a Companhia Hidrolétrica do São Francisco alega que houve um superdimensionamento nos dois projetos e que não existe água suficiente (grifo nosso) para efetivar a complementação da motorização de ambas.”
A entrada do açude de Boqueirão no volume morto, atingido que foi há 15 dias o seu mais baixo nível da história, reacendeu a volúpia demagógica dos políticos profissionais que infelizmente ainda infestam, com o beneplácito dos votos das camadas mais miseráveis da população, a Paraíba velha de guerra.
http://www.apalavraonline.com.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=2&Itemid=128&id_noticia=11860
Jornal Online PALAVRA
Boqueirão morre, sim, mas os novos e velhos coronéis encastelados na elite estadual encorpam mais vidas para mais maldade produzirem em desfavor dessa gente sofrida e necessitada cotidianamente da ajuda estatal.
Lá atrás, num cenário que em nada difere do presente, coube a um homem de estirpe moral ilibada e alto valor telúrico cunhar a frase mais verdadeira desse inferno que grassa ciclicamente no Nordeste; e firmá-la definitiva.
“A seca no Nordeste é o inverno dos ladrões”, disse no melhor e mais elevado som José Américo de Almeida, um paraibano que honrou as calças que vestia, desqualificando com sábia assertiva toda a classe política da qual, contraditoriamente, também fazia parte.
Zé Américo foi ministro da Viação e Obras Públicas, Pasta que cuidava da contemporização dos efeitos danosos da estiagem no Sertão nordestino, e por isso mesmo sabia como ninguém o que estava dizendo. Que o roubo, na seca, é escandaloso. E praticado quase que institucionalmente por políticos carreiristas e despudorados.
A seca no Nordeste não se combate; ela é da natureza. Mas é dever dos Governos (dos políticos) criar programas de convivência de modo a que o povo não venha ficar à mercê da própria sorte morrendo esquálido à míngua como gado sem carne no meio da caatinga.
Campina Grande, a principal e mais nevrálgica metrópole do interior nordestino, rica pelos filhos inventivos e trabalhadores que tem, encontra-se sob a mais cruel ameaça de colapso hídrico vivendo um racionamento d’água sem precedentes. E o pior estando para chegar: um horizonte de terror, com devastadoras e previsíveis consequências.
E logo Campina Grande, majoritariamente rica também em representatividade política nas mais diferentes esferas do Poder Público, com dois terços de filhos no Senado da República (Raimundo Lira e Cássio Cunha Lima), metade dos 12 assentos estaduais na Câmara Federal (Damião Feliciano, Pedro Cunha Lima, Veneziano Vital do Rego, Rômulo Gouveia, Wellington Roberto e Aguinaldo Ribeiro) e uma bancada numericamente muito forte - mais de 14 - no Parlamento do Estado (Ricardo Barbosa, Daniela Ribeiro, Caio Roberto, Renato Gadelha, Inácio Falcão, Tovar Correia Lima, Manuel Ludgério, Adriano Galdino, Bruno Cunha Lima e Doda de Tião).
Mas, o que ocorre?
Conjugam, esses nossos políticos, o verbo da individualidade. Mesmo a sabedoria popular ensinando que “andorinha só, não faz verão”.
Olhos para os umbigos, não enxergam dor coletiva. E dane-se o povo!
No fervor dessa barata demagogia, todos empostam a voz. No Senado Cássio Cunha Lima - ele, um ex-governador que teve poderes e recursos para contribuir com programas de amplo convívio com a seca - subiu à tribuna para “en passant” tematizar a estiagem do Nordeste em discurso onde faltaram eiras e beiras, mas que na verdade objetivou tão somente mimosear com improvisada solidariedade brasileiros de Santa Catarina e do Paraná que viveram um instante de flagelo dias atrás por excesso de chuvas.
É louvável a ação do senador quando acode verbalmente conterrâneos em dificuldade. Afinal, uma palavra amiga na hora certa pode até não ser tudo, mas é sempre algo confortável e Cássio bem sabe disso.
Ocorre que a maldade contra Campina nesse item crise hídrica teve exatamente em Cássio o seu mais violento algoz. Foi ele, sem satisfação alguma aos conterrâneos, quem retirou canos e bombas que iriam se tornar na adutora de Acauã e que despejariam o líquido da gigante barragem construída por Zé Maranhão para a estação de tratamento de Gravatá, d’onde desceria para suavizar a sede campinense.
Cássio como prefeito e depois como governador só não foi zero totalmente à esquerda para Campina Grande, em se tratando de política hídrica, porque construiu o malfadado açude Zé Rodrigues (seu avô) em terras adquiridas aos familiares no Distrito de Galante que mais serviu a irrigar os bolsos dos "de casa" do que matar a sede dos "de fora".
Outra maldade de Cássio, mas aí para evitar que um correligionário pudesse vir a entrar nos umbrais da história como maior benfeitor do que ele, foi sepultar o genial projeto Multilagos gerado na atacada gestão de Félix Araújo Filho para fornecer água e produção agrícola e pesqueira ao Compartimento da Borborema.
Por isso, exala demagogia barata o discurso de Sua Excelência no Senado ao esquecer que sua parte deixou de fazer e corre para ataque aos governos federal e estadual quando o mais sensato seria apresentar propostas e convocar suprapartidariamente a classe política para se unir em torno do gargalo, assim como tem feito em Campina Grande a Associação Comercial, embora sem cacife suficiente para a empreitada.
Na oração chinfrim Cássio afirma o óbvio ululante: que a situação do Nordeste é grave, mas que a da Paraíba é ainda pior. Tudo em busca do mote para desconstruir os governos legalmente instituídos. "Centenas de cidades da Paraíba estão entregues à própria sorte, diante da incompetência, da omissão e do descaso do governo do Estado e do governo federal, com essa gravíssima e preocupante estiagem, que pode se transformar, em breve, em uma catástrofe de grandes proporções", diz assim sem remorso do crime de omissão que carrega nas costas.
Não dá mais realmente para se aceitar, sem o mínimo grau de indignação, essa despudorada falta de vergonha dos nossos representantes nas casas parlamentares, todos eles em maior ou menor nível absolutamente demagógicos quando se dispõem a discorrer sobre a questão.
E o tempo, indelevel, passando. E a seca, inclemente, matando cada um de nós.
De vergonha, principalmente!
O Bom Dia Brasil voltou às obras da transposição do Rio São Francisco. Os canais planejados para beneficiar 12 milhões de pessoas que sofrem com a seca no Nordeste deveriam ter sido concluídos há dois anos.
Equipe de reportagem do Bom Dia Brasil percorreu esses canais que devem custar quase o dobro do que estava previsto no orçamento inicial. O que vimos é que ainda falta muito para que essa água chegue a quem precisa.
A construção começou há sete anos. Foi idealizada para beneficiar 12 milhões de pessoas que sofrem com a seca, em quase 400 municípios de quatro estados do Nordeste.
O canal do eixo norte começa em Cabrobó, Pernambuco, e termina em Cajazeiras, na Paraíba, 402 quilômetros depois. O eixo leste tem início em Floresta, Pernambuco, e vai até Monteiro, na Paraíba. A extensão é de 220 quilômetros.
Toda a obra deveria ter ficado pronta em 2012, de acordo com o cronograma anunciado pelo governo federal.
Quando o Bom Dia Brasil esteve nas obras há dois anos, o trabalho estava suspenso em vários lotes. No lote dez, entre Custódia e Sertânia, Pernambuco, a equipe do Bom Dia Brasil percorreu quilômetros sem encontrar um único homem trabalhando.
A obra tinha avançado apenas 43%. O trabalho havia sido interrompido por causa de problemas com as construtoras inicialmente contratadas. Em alguns trechos, só havia terra revirada e pedra escavada.
A única parte concluída era o chamado canal de aproximação, no eixo norte, em Cabrobó, que serve para levar a água do rio para a estação de bombeamento que joga a água para o canal da transposição.
No eixo leste, o canal de aproximação ainda estava em obras, assim como a estação de bombeamento, no município de Floresta.
Hoje, de acordo com o Ministério da Integração, as obras já passam da metade. Mais de 66% dos trabalhos foram concluídos.
Em setembro, os operários removeram as últimas barreiras que separavam o Rio São Francisco dos canais da transposição. Agora, a água do lago da barragem de Itaparica avança 25 quilômetros pelo sertão. Ela vai até a estação de bombeamento de onde é lançada para uma bacia de acomodação que fica 60 metros acima.
A operação está em fase de testes. Do ponto mostrado em vídeo, a água atravessa um dos 14 aquedutos que estão previstos no projeto e chega à barragem de Areias. Dali, por enquanto, não passa a água. Entre os municípios de Sertânia, e Monteiro, na Paraíba, apenas 27% das obras foram concluídas. O que se vê em um trecho ainda são as escavações.
A 15 quilômetros do fim do canal, fica a estrutura mais complexa do eixo leste: um túnel. A perfuração da avança dois a quatro metros, em média, por dia.
A madeira da vegetação arrancada da caatinga apodrece ao longo do canal. “Era para ser arborizado e ainda não fizeram nada. Espero que eles façam o que disseram que iam fazer”, diz José Lisboa, agricultor.
Luiz Machado, coordenador do programa de fauna e flora do projeto da transposição, explica que a terra amontoada às margens das barragens tem um banco genético que vai ajudar na recuperação da caatinga. Mas o replantio só vai funcionar com ajuda da água da transposição para garantir a irrigação. “Você tem os reservatórios e o canal para você poder fazer isso. Para você poder fazer a recuperação”, afirma.
As crianças de uma escola, em Floresta, foram visitar a área de testes, que fica a três quilômetros da comunidade. Para elas, que cresceram sofrendo com a seca, a transposição é promessa de um futuro melhor. “Todo mundo bebe: gente, animal, tudo”, diz uma menina.
Mas por enquanto, a água do canal ainda não chega na casa das pessoas. “A transposição, ela está sendo feita, mas não vai ser para atender na verdade a toda população”, diz uma mulher.
Um projeto orçado em R$ 4,5 bilhões, quando iniciado. E que hoje está estimado em R$ 8,2 bilhões. Que vai abrindo na Caatinga um longo canal de esperança. Mas que, por enquanto, continua seco.
O Ministério da Integração Nacional disse que a recuperação da vegetação deverá acontecer depois da finalização das obras e que serão recuperados 5,4 mil hectares. O ministério diz também que as obras estão previstas para terminar no fim de 2015.
As espécies Opuntia fícus indica e Nopalea cochenilifera representam, botanicamente, as variedades, Palma Gigante e a Miúda, respectivamente. Essas xerófilas vêm salvando a pecuária do Semiárido nordestino, quando da ocorrência das secas que assolam a região. No início dos anos 2000, o ex-deputado pernambucano, Ricardo Fiúza, preocupado com a alimentação da pecuária do Estado de Pernambuco, viajou para o México e Estados Unidos, para conhecer, naqueles países, a produção de Palma Forrageira plantada de forma adensada. O parlamentar queria encontrar formas de potencializar, em volumes, a comida dos grandes ruminantes em Pernambuco, principalmente os criados em regime de confinamento.
Levou consigo nessa viagem, o engenheiro agrônomo Paulo Suassuna e o zootecnista Alberto Suassuna, que já vinham trabalhando com a cultura da Palma no Nordeste seco. A viagem foi revestida de grande êxito, pois veio a capacitar os referidos técnicos, em uma nova forma de plantar a distinta xerófila no Semiárido brasileiro. Paulo e Alberto ao regressarem ao Brasil, conseguiram localizar e adaptar, para as condições semiáridas nordestinas, todo o processo de plantio adensado que haviam observado no exterior e alcançar, nos plantios brasileiros, as produtividades que estavam sendo obtidas no estrangeiro. Na ocasião, a Palma alcançava, no Nordeste, uma produtividade média em torno de 50 toneladas por hectare, e passou a produzir, adotando-se as novas técnicas de plantio, cerca de 400 toneladas/ha. Um ganho volumétrico fantástico, se levada em consideração a importância da cactácea no arraçoamento dos animais em períodos de estiagem.
Absorvidas as novas técnicas de plantio, os técnicos passaram a localizá-las e adaptá-las à região semiárida brasileira, iniciando suas ações no sertão do Estado de Pernambuco, o qual passou a produzir a cactácea em quantidades suficientes, enchendo de alegria os produtores rurais, ao verem, em um único hectare de suas propriedades, o plantio alcançar cerca de 400 toneladas, volume de biomassa suficiente para alimentar, por exemplo, e de forma sustentável, 200 carneiros. Um fato inédito, que veio a contribuir para a solução das mazelas trazidas pelas secas recorrentes no semiárido pernambucano.
No desenrolar dos trabalhos em Pernambuco, no entanto, algo curioso e inédito ocorreu: as autoridades responsáveis pelo setor agropecuário do Estado foram, gradativamente, perdendo o interesse pela nova técnica de plantio da Palma Forrageira. Uma atitude sugestiva de inveja começou a surgir entre os dirigentes pernambucanos desse setor, que viam na projeção dos técnicos, nos noticiários televisivos do País, difundindo a nova tecnologia de plantio, um complicador para a divulgação de suas imagens (dos dirigentes), como reais responsáveis pelo aumento da produtividade da cultura da Palma no Estado de Pernambuco. Passaram a fugir da Palma, como o diabo foge da cruz. A partir daí, o agrônomo Paulo Suassuna não teve mais espaços de trabalho nesse Estado, seguindo sua vida à procura de outras regiões áridas do Nordeste que tivessem interesse em absorver sua nova técnica de plantio, o mesmo ocorrendo com o zootecnista Alberto Suassuna.
Após o fiasco político havido nas ações de adensamento da cactácea em Pernambuco, Paulo Suassuna procedeu a igual investida no Estado da Paraíba, onde apresentou seu projeto para as autoridades locais, obtendo boa receptividade. Após ter implantado alguns projetos adensados, com o igual êxito obtido em Pernambuco, para surpresa do técnico, idêntico fato de inveja, das autoridades, voltou a ocorrer. A Paraíba também não apoiou os esforços do Agrônomo, na sua luta incansável de demonstração da viabilidade de plantio da Palma adensada, como sistema salvador da pecuária nordestina. Um fato político triste e realmente lamentável para a pecuária paraibana, e por que não dizer da pecuária do Nordeste como um todo.
Mas as notícias de sucesso dessa nova técnica de plantio adensado da Palma, oriundas das experiências havidas nos estados da Paraíba e de Pernambuco, embora tenham ocorrido em curto espaço de tempo, começaram a circular e a despertar o interesse de outras regiões secas do Nordeste. Paulo Suassuna começou, então, a cumprir uma extensa agenda de palestras e viagens, no país e no exterior, difundindo a nova técnica de plantio da cultura por ele localizada e adaptada. Dessa feita, o Estado de Sergipe, através do Sebrae local, convidou o agrônomo para uma apresentação em Aracaju. A explanação do técnico foi revestida de sucesso absoluto. Paulo Suassuna optou, então por residir naquele Estado que carinhosamente o acolheu, passando a elaborar planos e metas para a difusão da forrageira, dessa feita na região semiárida sergipana.
Com esse gesto de acolhimento técnico, as autoridades do setor agropecuário de Sergipe demonstraram uma forma de tratamento completamente diverso daquelas demonstradas pelos estados da Paraíba e de Pernambuco. Não faltaram ao agrônomo, o respaldo e o incentivo institucionais necessários aos trabalhos desenvolvidos no campo. Tanto isso é verdade, que os índices de produtividade, no Estado de Sergipe, alcançaram os valores mais elevados do planeta. Para se ter ideia desse fato, o Rancho Flora, no município de Canindé do São Francisco (SE), pertencente a Magno José de Melo (Nininho das Cabras), tornou-se o campeão mundial em termos de produtividade com a referida cultura, chegando a alcançar 732 toneladas em um único hectare. Um ganho fantástico, que bem exemplifica os cuidados adotados pelo produtor, que soube absorver, com a devida maestria, os novos ensinamentos técnicos, através dos indispensáveis apoios institucionais proporcionados pelo Sebrae-SE.
Atualmente, Paulo Suassuna está desenvolvendo vários projetos em Sergipe, com previsão, até 2020, de continuar obtendo produtividades, nos plantios adensados, superiores a 400 toneladas/ha.
A Cochonilha do Carmim
Um fato digno de nota, nesse relato, diz respeito aos ataques severos da Cochonilha do Carmim (Dactylopius coccus), realizados nos palmais da região Setentrional nordestina. Esse inseto, praticamente aniquilou os palmais da região, trazendo prejuízos e desespero ao produtor, bem como uma nova realidade para ao setor agropecuário regional: juntamente com o fenômeno recorrente das secas, o ataque da Cochonilha do Carmim trouxe o perigo da inviabilização da criação do gado bovino nos limites do Nordeste seco.
No Semiárido sergipano, os problemas de ataques de cochonilhas existem, mas com outra espécie do inseto. Em Sergipe, os ataques, realizados pela Cochonilha de Escamas (Diaspis echinocacti), quando comparados aos da Cochonilha do Carmim, são menos danosos para os palmais. Em tais caso, os controles desses insetos não mais fáceis de serem realizados, tornando-se uma praga com reais possibilidades de convivência, sem a preocupação com a severidade dos danos causados pela Cochonilha do Carmim.
As dificuldades atuais de se combater o inseto por vias químicas (uso de defensivos), motivou Paulo Suassuna, à implantação, juntamente com um sócio (pessoa física), no município de Juazeirinho (PB), zona de ocorrência da Cochonilha do Carmim, do maior banco de germoplasma da cultura da Palma do país. São 160 variedades que estão sendo testadas e observadas, para se saber de suas resistências aos ataques desses insetos. Essa experiência está se revestindo de grande êxito, tendo em vista ser, a variedade resistente, uma das poucas alternativas de solução que se tem atualmente encontrado para esse grave problema, tendo em vista a proibição, pelo Ministério da Agricultura, do uso de defensivos agrícolas, nos ataques verificados na cultura da Palma Forrageira no Semiárido nordestino.
Novos Projetos de plantios adensados
Os ciclos secos que o Nordeste brasileiro vem apresentando (2011, 2012, 2013 e parte de 2014 foram secos), juntamente com os ataques severos da Cochonilha do Carmim, foram fatores que resultaram em panoramas sombrios para a agropecuária regional. Estima-se, por exemplo, que a pecuária paraibana, em 2013, tenha sofrido uma diminuição em cerca de 70% do efetivo dos animais, devido à morte por inanição (fome e sede), ou mesmo pela venda destes, antes de sucumbirem ao flagelo. Para a reversão desse quadro, as novas técnicas de plantio da Palma, bem como a identificação de variedades resistentes ao ataque da Cochonilha, poderão se traduzir em soluções promissoras e bem vindas.
Recentemente, em visita à região dos Cariris Velhos da Paraíba, especificamente no município de Taperoá, tive o privilégio de conhecer um trabalho de adensamento de Palma Forrageira (Opuntia) implantado na fazenda Pau Leite, de propriedade de Manelito Dantas Vilar. Foram plantados 4,2 ha de palma, para a obtenção de material (sementes) necessário à expansão da cultura em uma área de plantio adensado, de cerca de 30 ha. A ideia, nessa nova área, é a de possibilitar a criação, de forma sustentável, de cerca de 1000 cabeças de gado bovino em regime de lactação. Uma meta com possibilidades reais de ser atingida, que poderá fazer com que, uma única propriedade paraibana, venha a dar o exemplo de que é possível reverter o quadro sombrio no qual se encontra a Agropecuária do Estado, bastando, para tanto, o uso das técnicas adequadas de convivência com as secas, que estão atualmente em vigor, sendo uma delas o plantio adensado da palma forrageira.
Em maio deste ano, publicamos o artigo Caneco de ouro, onde falamos sobre as potencialidades hídricas do Semi-árido brasileiro para o abastecimento da população. Lá demonstramos que o projeto de transposição do rio São Francisco, da forma como foi apresentado pelo governo federal, era desnecessário. Explicamos que a água no Semi-árido existe, e até de forma abundante. Falta, apenas, uma política adequada de distribuição desse recurso natural.
No texto, comparamos o grande potencial volumétrico existente nos estados que seriam beneficiados pela transposição (estimado em cerca de 37 bilhões de m³) ao volume pretendido pelo projeto, de cerca de 400 milhões de m³/ano. Concluímos que esse volume representa apenas cerca de 1% desse potencial. Também comparamos os 400 milhões de m³/ano ao potencial volumétrico, de cerca de 11,48 bilhões de m³, da rede dos principais açudes do Nordeste setentrional que será abastecida pelo projeto de transposição, concluindo que esse volume equivale a aproximadamente 3,5% desse potencial.
O artigo mostrou, ainda, que a transposição teria um custo/benefício desprezível, se considerado o número reduzido de pessoas a serem beneficiadas. Além disso, o projeto é desnecessário, por que desconsidera a existência do expressivo volume d'água local, que poderia atender às necessidades de toda população. O que seria mais viável tratando técnica e economicamente a questão: estabelecer uma política coerente de uso das águas que já existem, ou transpor as águas do São Francisco de cerca de 500km do local do consumo? Na nossa ótica, a primeira alternativa é mais sensata.
Em nossos estudos, mantivemos contato com o Coordenador Nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT, Roberto Malvezzi, o "Gogó", que estava interessado em estudar o regime de enchimento da represa de Sobradinho, responsável pela regularização da vazão média do Velho Chico. Ele se preparava para um debate com o ex-ministro da Integração, Ciro Gomes, sobre o projeto de transposição.
Diante das informações que lhe prestamos, Gogó fez uma observação muito interessante sobre os volumes do rio São Francisco que já estão sendo repassados ao Nordeste setentrional – aqueles volumes utilizados pelas usinas geradoras no complexo da Chesf e transferidos aos seus usuários em forma de energia elétrica. Segundo suas ponderações, a Chesf é usuária de uma vazão outorgada, no São Francisco, da ordem de 1.500 m³/s, suficiente para gerar grande parte da energia elétrica nordestina. Cerca um terço disso é utilizado na geração de energia para a região setentrional. Esses 500 m³/s, segundo Gogó, equivalem ao fornecimento médio de 750 m³/pessoa/ano, considerando o contingente populacional da região semi-árida. O volume expressivo, se comparado ao discurso de que a região está desabastecida e, portanto, necessitada das águas do rio São Francisco para a promoção de desenvolvimento.
Com esses números, Gogó mostrou que, apesar de o rio dar sinais de debilidade hídrica, já se transferem volumes significativos para a população setentrional do Nordeste, embora seja na forma de energia elétrica. O coordenador da CPT ressalta, por outro lado, que o único raciocínio das autoridades encarregadas do projeto se materializa no aproveitamento das águas do rio São Francisco que, segundo elas, estão se "perdendo" para o mar.
É hora de se fazer uma análise correta e tomar medidas com bom senso, incluindo aí o uso das águas que já existem na região. Porém, essa atitude é difícil de ser compreendida e concretizada pela elite dirigente do país, que vê a lâmpada e o interruptor, mas não consegue estabelecer a conexão entres ambos.
A visão de "perda" de água para o mar é por demais simplista e revela total desconhecimento quando do tratamento da coisa pública, principalmente quando se trata do ambiente natural nordestino. As águas dos rios não se "perdem", pura e simplesmente, para o mar. Elas têm a função de possibilitar a existência da vida nos seus estuários, e de promover a manutenção do equilíbrio ecológico tão necessário ao meio ambiente.
João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.
Caracterização da região
Representando 18,3% do território brasileiro, o Nordeste é formado por nove estados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.
A região semi-árida nordestina é, fundamentalmente, caracterizada pela ocorrência do bioma da caatinga, que constitui o sertão. O sertão nordestino apresenta clima seco e quente, com chuvas que se concentram nas estações de verão e outono. A região sofre a influência direta de várias massas de ar (a Equatorial Atlântica, a Equatorial Continental, a Polar e as Tépidas Atlântica e Calaariana) que, de certa forma, interferem na formação do seu clima, mas essas massas adentram o interior do Nordeste com pouca energia, tornando extremamente variáveis não apenas os volumes das precipitações caídas mas, principalmente, os intervalos entre as chuvas. No Semi-árido chove pouco (as precipitações variam entre 500 e 800 mm, havendo, no entanto, bolsões significativos de 400 mm) e as chuvas são mal distribuídas no tempo, sendo uma verdadeira loteria a ocorrência de chuvas sucessivas, em pequenos intervalos. Portanto, o que realmente caracteriza uma seca não é o baixo volume de chuvas caídas e sim a sua distribuição no tempo. O clima do Nordeste também sofre a influência de outros fenômenos, tais como: El Niño, que interfere principalmente no bloqueio das frentes frias vindas do sul do país, impedindo a instabilidade condicional na região, e a formação do dipolo térmico atlântico, caracterizado pelas variações de temperaturas do oceano Atlântico, variações estas favoráveis às chuvas no Nordeste, quando a temperatura do Atlântico sul está mais elevada do que aquela do Atlântico norte.
A proximidade da linha do Equador é outro fator natural que tem influência marcante nas características climáticas do Nordeste. As baixas latitudes condicionam à região temperaturas elevadas (média de 26° C), número também elevado de horas de sol por ano (estimado em cerca de 3.000) e índices acentuados de evapotranspiração, devido à incidência perpendicular dos raios solares sobre a superfície do solo (o Semi-árido evapotranspira, em média, cerca de 2.000 mm/ano, e em algumas regiões a evapotranspiração pode atingir cerca de 7 mm/dia).
Em termos geológicos, o Nordeste é constituído por dois tipos estruturais: o embasamento cristalino, representado por 70% da região semi-árida, e as bacias sedimentares.
No embasamento cristalino, os solos geralmente são rasos (cerca de 0,60 m), apresentando baixa capacidade de infiltração, alto escorrimento superficial e reduzida drenagem natural. Numa comparação grosseira, é como se estes solos estivessem sobre um prato, onde a pouca quantidade de água que consegue se infiltrar é armazenada no fundo.
Os aqüíferos dessa área caracterizam-se pela forma descontínua de armazenamento. A água é armazenada em fendas/fraturas na rocha (aqüífero fissural) e, em regiões de solos aluviais (aluvião) forma pequenos reservatórios, de qualidade não muito boa, sujeitos à exaustão devido à ação da evaporação e aos constantes bombeamentos realizados. As águas exploradas em fendas de rochas cristalinas são, em sua maioria, de qualidade inferior, normalmente servindo apenas para o consumo animal; às vezes, atendem ao consumo humano e raramente prestam-se para irrigação. As águas que têm contato com esse tipo de substrato se mineralizam com muita facilidade, tornando-se salinizadas. São águas cloretadas, classificadas para irrigação, de acordo com normas internacionais de RIVERSIDE, acima de C3S3 e que apresentam, normalmente, resíduos secos médios da ordem de 1.924,0 mg/l (média geométrica obtida através da análise de 1.600 poços fissurais escavados no estado de Pernambuco), com valor máximo de 31.700 mg/l. Além da qualidade inferior da água, os poços apresentam baixas vazões, com valores médios de 1.000 litros/h.
Nas bacias sedimentares, os solos geralmente são profundos (superiores a 2 m, podendo ultrapassar 6 m), com alta capacidade de infiltração, baixo escorrimento superficial e boa drenagem natural. Estas características possibilitam a existência de um grande suprimento de água de boa qualidade no lençol freático que, pela sua profundidade, está totalmente protegido da evaporação. Apesar de serem possuidoras de um significativo volume de água no subsolo, as bacias sedimentares estão localizadas de forma esparsa no Nordeste (verdadeiras ilhas distribuídas desordenadamente no litoral e no interior da região), com seus volumes distribuídos de forma desigual. Para se ter uma idéia dessa problemática, estima-se que 70% do volume da água do subsolo nordestino estejam localizados nas bacias do Piauí/Maranhão.
Em termos volumétricos, estima-se, no embasamento cristalino, um potencial de apenas 80 km³ de água/ano, enquanto nas regiões sedimentares esse volume pode chegar a valores significativos, como os existentes nas seguintes bacias: São Luís/Barreirinhas com 250 km³/ano, Maranhão com 17.500 km³/ano, Potiguar/Recife com 230 km³/ano, Alagoas/Sergipe com 100 km³/ano e Jatobá/Tucano/Recôncavo com 840 km³/ano
O relevo do sertão é marcado pela presença de depressões interplanálticas transformadas em verdadeiras planícies de erosão, devido à grande extensão dos pediplanos secos bem conservados, embora em processo de erosão. Os solos são, em geral, pedregosos e pouco profundos. Seus principais tipos são o bruno-não-cálcico, os planossolos, os solos litólicos e os regossolos, todos inadequados para uma agricultura convencional. Porém ocorrem, também, vários tipos de solos com vocação agrícola. A caatinga, vegetação xerófita aberta, de aspecto agressivo devido à abundância de cactáceas colunares e, também, pela freqüência dos arbustos e árvores com espinhos, distingue fisionomicamente essa região. No entanto, encontram-se, encravadas nessa extensa região, áreas privilegiadas por chuvas orográficas, isto é, causadas pela presença de serras e outras elevações topográficas, que permitem a existência de matas úmidas, regionalmente conhecidas como brejos. São os brejos de altitude do Nordeste.
A economia agrícola do sertão é caracterizada por atividades pastoris, predominando a criação extensiva de gado bovino e de pequenos ruminantes (caprinos e ovinos), e a cultura de espécies resistentes à estiagem, como o algodão e a carnaúba nas áreas mais secas, e a produção de grãos (milho e feijão) e mandioca nas áreas mais úmidas. A cana-de-açúcar é bastante cultivada nos brejos de altitude, como em Triunfo, Pernambuco.
O agreste, como faixa de transição entre a Zona da Mata e o sertão, caracteriza-se por uma diversidade paisagística, contendo feições fisionomicamente semelhantes à mata, à caatinga, e às matas secas. Esta faixa estende-se desde o Rio Grande do Norte até o sudeste da Bahia. É no agreste que se desenvolvem atividades agropastoris caracterizadas por sistemas de produção gado/policultura, sendo a zona responsável por boa parte do abastecimento do Nordeste. Nela são produzidas hortaliças, frutas, ovos, leite e seus derivados, além de gado de corte e aves. Ela fornece, também, fibras de algodão, sisal e óleo vegetal como matéria-prima para a indústria.
O Nordeste tem, aproximadamente, 47 milhões de habitantes, dos quais 17 milhões vivem na região semi-árida. No exacerbar de uma seca, 10 milhões de habitantes passam sede e fome.
O Semi-árido corresponde a 53% da área do Nordeste, e é uma zona sujeita a períodos cíclicos de secas. Estudos realizados sobre a distribuição de chuvas no globo terrestre atestam que essa aridez, é determinada pelo processo de circulação atmosférica global, exógeno à região, estabelecido, possivelmente, no final da era glacial, com efeitos avassaladores. Entre suas vítimas estão essencialmente o homem e suas atividades produtivas agroextrativistas e pecuárias. Há previsão, do Centro Técnico Aeroespacial de São José dos Campos (CTA), de novo ciclo de seca no Nordeste já a partir de 2003, sendo que, os piores anos tendem a estar entre 2004 e 2008.
O século XX inaugurou nova forma de lidar com a seca. O governo, com vistas a combater seus efeitos, criou uma dotação orçamentária para tal e instalou três comissões: a de açudes e irrigação, a de estudos e obras contra os efeitos das secas e a de perfuração de poços. Destas três, apenas uma permaneceu, a de açudes e irrigação. Não tendo desempenho satisfatório, ensejou a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas, hoje o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS.
Conviver com a seca passava, quase exclusivamente, pela construção de grandes obras de engenharia para represar água. Esta foi vista como o recurso natural mais importante, tornando a sua acumulação condição necessária e suficiente para fixar o homem no Nordeste semi-árido. O resultado foi priorizar a implantação do Programa de Açudes Públicos (aqueles que têm capacidade suficiente para ultrapassar um período de seca sem se exaurirem, embora com suas águas em constante uso).
Devido à facilidade de escorrimentos superficiais e à baixa capacidade de infiltração da água no solo, as características do escudo cristalino possibilitaram a construção de um número expressivo de açudes e barragens em todo o Semi-árido nordestino, estimado em mais de 70 mil, que represam cerca de 30 bilhões de m³ de água. Isto representa a maior reserva superficial de água artificialmente acumulada em região semi-árida do mundo. Porém, apenas 30% desse volume são utilizados na irrigação e no abastecimento das populações, consubstanciando-se numa evidente falta de planejamento na gestão dos recursos hídricos da região.
Por outro lado, as descargas dos rios nordestinos representam uma infiltração de água nos seus aqüíferos da ordem de 58 bilhões de m³/ano, significando dizer que a extração de apenas 1/3 dessas reservas representaria potenciais suficientes para abastecer a população nordestina atual, com a taxa de 200/litros/habitante/dia, preconizada pela Organização Mundial de Saúde, e irrigar mais de 2 milhões de hectares com uma taxa de 7.000 m³/ha/ano.
A exploração dos açudes foi planejada em duas vertentes: uma envolvendo atividades agrárias e de abastecimento populacional e outra qualificada de complementar, abrangendo a atividade pesqueira. A partir dos açudes, foi dado o primeiro passo na definição das áreas a serem irrigadas. Desse modo, a água represada seria distribuída através da instalação dos perímetros irrigados. Pretendia-se induzir a passagem da agricultura extensiva para a intensiva, diminuindo os seus riscos diante dos efeitos da seca. Foram implantados os perímetros irrigados do Cedro, no Ceará, Sumé e São Gonçalo, na Paraíba, Cruzetas e Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte. A região conta atualmente com aproximadamente 50 perímetros irrigados e cerca de 300 açudes públicos.
A política de irrigação, como uma estratégia de intervenção governamental, só foi considerada prioritária nos fins da década de 1960, a partir da criação do Grupo Executivo para Irrigação e Desenvolvimento Agrícola - GEIDA. Porém, foi com o Programa de Integração Nacional - PIN que a política de irrigação tomou maior impulso. Nesse âmbito, foi criado o Programa de Irrigação do Nordeste - PROINE, 1972/1974, associando-o às medidas de combate aos efeitos das secas e ao desenvolvimento regional. Estava baseado na filosofia de que a irrigação constitui o núcleo do desenvolvimento rural, representando, dessa maneira, um mecanismo muito importante de modernização da vida rural.
Com relação à prática irrigacionista, apesar de vários estudos sobre solos e recursos hídricos no Nordeste, não existe, ainda, uma estimativa confiável da área irrigável da região contando com as águas que podem ser transpostas do rio São Francisco. As áreas efetivamente irrigáveis no Nordeste Semi-árido, inseridas no polígono das secas, são de cerca de 2.200.000 ha, não sendo prudente esperar que este potencial supere 2.500.000 ha.
Tomando-se por base essa última estimativa mais otimista, a conclusão a que se chega é a de que, aproximadamente apenas 2% da área do Nordeste são passíveis de irrigação, devido às limitações existentes em termos de qualidade de solos e, o que é mais grave , de quantidade e qualidade de água (o Nordeste, incluindo o norte de Minas sob jurisdição da Sudene tem, aproximadamente, 1.640.000 km²).
Apesar desta constatação, as ações de governo, notadamente as de âmbito estadual, têm sido freqüentemente voltadas para o desenvolvimento da pequena irrigação nos 98% restantes da área, localizada, na maioria das vezes, em terrenos de aluvião sobre o embasamento cristalino, aproveitando-se a existência de fontes de água, como: poços amazonas, pequenos açudes, rios etc., para realizar os bombeamentos necessários.
Ações dessa natureza foram implementadas no estado de Pernambuco, em projetos voltados a produtores de baixa renda, a exemplo do Chapéu de Couro, Asa Branca, e Água na Roça, bem como o projeto Canaã, na Paraíba, ou mesmo projetos como o Sertanejo, GAT/PDCT-NE e Polo Nordeste, na esfera federal, tendo em vista a preocupação, sempre constante, dos governantes, de buscar alternativas viáveis para a fixação do homem no campo.
Sustentabilidade no Semi-árido
A síntese histórica da ocupação e uso das terras no Semi-árido vai nortear a reflexão sobre as ações antrópicas instaladas desde a colonização até os nossos dias, e as medidas estruturadoras necessárias, a serem empreendidas, visando o desenvolvimento da região.
O primeiro momento se estabelece quando a civilização canavieira alija os rebanhos de seus domínios e o homem se adentra no Nordeste, em busca de condições para criá-los. Encontra, no sertão, o meio propício para desenvolver a pecuária. Grandes extensões de terras, cobertas por uma vegetação arbórea esparsa, entremeada por extrato graminóide. Essas gramíneas constituíam o pasto natural, base da alimentação para o gado. Introduziram-se os rebanhos acompanhados pela mão-de-obra necessária aos seus cuidados. Este momento foi marcado por uma conivência. Utilizava-se o que estava disponível na natureza. A transformação do espaço dava-se pelo uso direto da caatinga.
O segundo momento tem lugar quando se inicia o desmatamento da caatinga com o objetivo de intensificar a formação de pastagens artificiais, respondendo à demanda do rebanho. Inicia-se um processo maciço de desorganização/reorganização das comunidades naturais. Não havia a preocupação com o manejo, nem tampouco com a preservação da caatinga. Concomitantemente, o aumento da população provoca a expansão das culturas alimentares, mobilizando, assim, novas áreas. No primeiro caso, há um acelerado processo de sucessão, com reflexos para a fauna. E, no segundo, há substituição por verdadeiros agroecossistemas, dispersos por toda a área sertaneja. O uso do solo é, pois, intensificado.
Diante desse fato, a água no Semi-árido passou a ser um elemento escasso, porém com um papel fundamental no processo de intervenção ali instalado. Apesar de as zonas de "stress" hídrico terem vantagens no tocante à formação de pasto e proteção sanitária, apresentam desvantagem acentuada, no que diz respeito ao uso da terra para a agricultura. Otimizar a utilização da água existente passou a ser uma grande preocupação. É nesse contexto que o Programa de Grande Açudagem aparece como empreendimento do governo federal.
Os grandes açudes públicos provocam o aparecimento de verdadeiros oásis. As fazendas assumem aspecto grandioso manifestado na casa do fazendeiro, nos currais e na habitação do vaqueiro. Espalhadas por toda a fazenda estão, também, as casas dos moradores. Essa complexa paisagem expressa toda uma conjuntura ecossociológica própria do Semi-árido. É a reorganização do espaço com produção e reprodução das relações sociais.
A grande açudagem representou, por um lado, a presença do governo no Semi-árido, dentro de uma estratégia já descrita. Por outro, foi um agente exógeno responsável pela introdução de profundas modificações na paisagem. O represamento de grandes massas de água subtrai do ambiente elementos importantes, como solo e vegetação. Nesse caso, foi subtraída uma boa parte de solo aluvial, constituindo, assim, um problema mais qualitativo do que quantitativo. Entretanto, essa situação seria minimizada se a proposta de exploração dos grandes açudes atendesse às reais necessidades da população ali existente. Isso não aconteceu.
A açudagem vai desempenhar, também, um papel importante na passagem de uma agricultura dependente das chuvas, sazonal, para uma agricultura intensiva, irrigada. Dentro da proposta do DNOCS para manejo de grandes massas de água represada, está a instalação dos perímetros irrigados. Estes perímetros ampliaram a base das intervenções no ambiente. Os elementos flora e fauna já experimentaram os mais graves níveis de degradação. A vegetação nativa está hoje restrita a pequenas áreas.
Os efeitos antrópicos se diversificaram. A vegetação natural é largamente substituída pelo sistema agropastoril. O solo vai perdendo progressivamente a matéria orgânica e instala-se, na paisagem, um acentuado processo de erosão. Observam-se campos de pastos, amplas extensões com culturas de algodão, entremeadas com milho e feijão. Ao longe, ou próximo delas, manchas de caatinga com indícios de devastação crescente.
A proposta de zoneamento de uso do solo tem sido qualificada como ineficaz para elevar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais no Semi-árido. Apontam, como principais problemas, a dimensão da área destinada a cada família e a falta de desapropriação das terras. Este último fato facilitou, sobremaneira, a apropriação, por parte dos fazendeiros, de toda a faixa de influência do açude. Em alguns casos, a cerca estendeu-se até a lâmina d’água. Este prolongamento da propriedade mostra que a açudagem beneficiou bastante o latifundiário, criando condições para suprir as necessidades de seu rebanho.
Boa parte dos solos encontra-se hoje abandonada, seja por esgotamento dos nutrientes em decorrência do uso intensivo, seja devido à instalação de processos erosivos resultantes da devastação da cobertura vegetal, seja ainda pela salinização. Núcleos de desertificação já começam a aparecer no Nordeste, como aqueles em Gilbués, no Piauí.
O terceiro momento é marcado pela introdução da irrigação no Semi-árido, a qual, iniciada de forma planejada em 1968, assume grandes proporções, em 1985, com o Programa de Irrigação do Nordeste - PROINE. Esse momento, então caracteriza-se pela pressão sobre os recursos naturais, causada pela irrigação, cujos efeitos atingem, de modo particular, o solo e a água. A salinização e a contaminação são visivelmente marcantes.
A irrigação depende da topografia, da drenagem e da constituição física e química do solo. No Semi-árido, em geral, predominam solos rasos e de difícil drenagem.
Como solos predominantes, encontram-se os bruno-não-cálcicos, planossolos, planossolo- solódicos e solonetz-solodizados. Todos apresentam problemas de drenagem devido ao teor e qualidade de argila no horizonte B, agravados, ainda pela alta quantidade de sais presentes no planossolo-solódico e solonetz. Portanto, todos favorecem altamente a salinização.
O problema se agrava quando se atenta para o fenômeno da evapotranspiração que, no Semi-árido, tem uma importância crucial. A evapotranspiração depende do teor de água no solo, apesar de ser esta analisada, quase sempre, como dependente exclusivamente da atmosfera. A quantidade de água adicionada ao solo, pela precipitação ou irrigação, vai promover uma maior evapotranspiração se a drenagem for eficiente. Este fato aumenta a propensão à salinização. A dimensão do problema de salinização tem assumido proporções assustadoras. A título de exemplo, o perímetro irrigado de Moxotó, em Pernambuco, apresenta mais de 30% de suas terras salinizadas, em quarenta anos de funcionamento. Dados de pesquisa atestam que esse percentual se estende aos demais perímetros irrigados no Nordeste.
Outro problema grave nos perímetros irrigados é a contaminação das águas e, consequentemente, dos solos por agrotóxicos, algas e bactérias. As culturas irrigadas são de ciclo curto: tomate, melão e milho. No caso do Moxotó, foi constatado que as culturas de tomate e melão recebem uma carga violenta de agrotóxicos. Não há orientação para a população aplicar adequadamente, nem tampouco é supervisionado o uso desses venenos. O plantio das culturas nas bordas do açude tende a agravar o problema. O excesso de água bombeada para irrigação volta à represa e, com ela, estão partículas de argila em suspensão e pesticidas. Através desse mesmo mecanismo, a água da chuva carreia para o interior das represas algas e bactérias nocivas à vida humana, provenientes, muitas vezes, das carcaças de animais mortos deixadas ao relento. O resultado de tudo isso é a contaminação das águas (na década de 90, em clínicas de hemodiálise no município de Caruaru - PE, ocorreram óbitos ocasionados pela existência de uma microalga na água utilizada no processo de filtragem do sangue dos pacientes) e, a longo prazo, o assoreamento do açude.
Os pontos levantados até o presente demonstram a magnitude do problema ambiental no Semi-árido. Ao desmatamento excessivo juntam-se a erosão, a salinização e a contaminação do solo e da água. O quadro é agravado pela situação de pobreza absoluta a que está submetida a população daquela área, além de incipientes serviços públicos de saúde e de educação.
É importante considerar que, no sertão, está a estrutura fundiária mais concentrada do País, além de relações sociais muito atrasadas. O processo de modernização da agricultura, no sertão, pouco tem contribuído para resolver o problema crucial daquele espaço. A estrutura fundiária continua bastante concentrada. O destino da produção dos perímetros irrigados é prioritariamente a agroindústria, a qual mantém uma forte dominação sobre os pequenos agricultores, tendo o Estado como mediador. Outro importante benefício desse processo é constituído pelas empresas produtoras de insumos agrícolas e agrotóxicos.
A agricultura no Semi-árido caracteriza-se como uma atividade subordinada à indústria, quer como consumidora de produtos, quer como fornecedora de matéria-prima. Nesse particular, as políticas públicas têm-se revelado ainda insuficientes para a adequada proteção e conservação dos recursos naturais ali existentes. No que se refere ao aspecto demográfico, a situação parece crítica. O incremento populacional do Nordeste foi de cerca de 25% no período de 1940 a 1980. Por sua vez, dados sobre a estrutura fundiária revelam que apenas 5,5% das terras pertencem a fazendeiros com menos de 10 ha, enquanto as propriedades com mais de 1.000 ha detêm 30%. Além disso, as grandes propriedades destinam suas terras, em grande parte, à pastagem, confirmando a prioridade que tem a criação de gado sobre outros tipos de práticas agrícolas.
Traçando um paralelo desse fato com o que ocorre na área pernambucana do submédio São Francisco, onde está concentrada boa parte do programa de irrigação, a questão não muda. Enquanto a população apresenta um crescimento vegetativo da ordem de 4%, os estabelecimentos com área superior a 200 ha cresceram de 556% para 600% no período de 1970 a 1980.
Diante desse quadro, percebe-se que o Nordeste necessita urgentemente de um programa de intervenção no Semi-árido, com medidas de médio e curto prazos, de abrangência não só nas questões estruturadoras de produção agrícola mas, e principalmente, no que diz respeito à conservação e recuperação ambiental.
Ações estruturadoras para o Semi-árido
Diante dos ciclos de secas que costumam ocorrer naturalmente no Nordeste, sem que existam meios de evitá-los, o homem, através do uso de tecnologias apropriadas, tem promovido esforços no sentido de enfrentar seus efeitos, tornando possível a sua convivência com o meio árido da região.
Quando se trata de tecnologias agrícolas para o Semi-árido - entendidas aqui como aquelas fixadoras do homem no campo – deve-se ter em mente um ponto que é fundamental: a exploração da capacidade de suporte da região. Neste aspecto, pode-se encarar a questão com muito otimismo.
Com já foi visto anteriormente, apenas 2% da área do Nordeste são passíveis de irrigação. Apesar de restrita, devido a problemas de qualidade de solos, bem como de quantidade e qualidade de água, a região poderá vir a ser um dos maiores pólos de fruticultura do mundo. Estima-se o potencial irrigado do Vale do Rio São Francisco em aproximadamente 1 milhão de hectares. Como termo de comparação, o Chile, país com clima temperado, vem produzindo anualmente, em aproximadamente 200 mil hectares irrigados, algo em torno de 1,5 bilhão de dólares em frutas. Temos, seguramente, nas margens do São Francisco, a capacidade de produzir cinco vezes mais do que o Chile, com uma vantagem adicional: o Semi-árido nordestino é uma das poucas regiões do mundo com clima tropical, significando dizer que não há ocorrência de neve nos invernos. Este aspecto, aliado à intensa insolação - o Semi-árido tem aproximadamente 3.000 horas de sol por ano – possibilita, com técnicas avançadas de irrigação, até 3 colheitas por ano. A uva, a manga e o melão são bons exemplos de produção nas margens do São Francisco.
Ainda com relação à irrigação, deve-se levar em conta tanto os solos irrigáveis, o relevo, as disponibilidades hídricas, como as lavouras a serem irrigadas. Inclusive, deve-se considerar as especificidades de cada subárea na ampliação do espaço sertanejo. Dessas definições dependem um planejamento correto e uma política ajustada para a área. Somente sabendo com razoável aproximação, o quanto se pode de fato irrigar, será possível definir uma política correta que atenda às reais possibilidades de irrigação em todo o Semi-árido nordestino.
Fala-se muito em um extenso lençol de água no subsolo do Nordeste, e que sua exploração poderia ser a solução para resolver de vez os problemas hídricos da região. Não é bem assim. Nesse particular, é preciso um pouco de cautela. Água de subsolo só existe quando a geologia assim o permite.
As áreas sedimentares, que possibilitam a acumulação de água no subsolo, são muito esparsas na região. No Semi-árido, o estado do Piauí é o que apresenta um maior percentual de áreas sedimentares (praticamente todo o estado) e tem demonstrado exemplos de fartura hídrica, como os poços jorrantes no município de Cristino Castro. Quando houver possibilidade de exploração das águas dessas áreas no Semi-árido, assim deve ser feito. O que não se pode é extrapolar o exemplo do Piauí para o Nordeste como um todo. Nos demais estados, as áreas sedimentares são por demais esparsas, não justificando aquela premissa inicial de exploração intensa das águas do subsolo. Para se ter uma idéia do problema, 70% do Semi-árido encontram-se sobre um embasamento cristalino, no qual as únicas possibilidades de acesso a água ocorrem através de fraturas nas rochas cristalinas e nos aluviões próximos a rios e riachos. Em geral, essas águas são poucas e extremamente salinizadas.
Paralelamente à questão da água do subsolo da região, fala-se muito nos dias de hoje, na polêmica transposição das águas do Rio São Francisco como alternativa redentora para mitigar a sede dos nordestinos. Esta questão precisa ser tratada com cuidado. As prioridades iniciais do Rio São Francisco foram para gerar energia elétrica e irrigar. Isto deveria ser encarado como uma questão de segurança nacional. O rio, por ter o seu curso no Semi-árido inteiramente sobre regiões cristalinas, apresenta, como de regra, afluentes com caráter temporário. Esse aspecto traz, como conseqüência, uma redução de sua vazão no período de estiagem. Para solucionar esse problema, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF construiu a represa de Sobradinho para manter a vazão do rio em patamares adequados à geração de energia elétrica no complexo de Paulo Afonso. Sabe-se, no entanto, que Sobradinho tem operado em regimes críticos - em novembro de 2001 chegou a apresentar apenas 5,8% de sua capacidade útil de acumulação - voltando à tona as ruínas das cidades que foram submersas com o represamento de suas águas, significando dizer que o rio praticamente havia voltado ao leito normal como antes de ser represado. Somado a esse problema da vazão, é importante esclarecer que o uso da água do São Francisco na irrigação é consuntivo, ou seja, a água não retorna ao rio após ser levada até as culturas. Nesse quadro de penúria hídrica, querer-se subtrair mais água do rio para abastecimento das populações é, na melhor das hipóteses, uma ação inconseqüente. O racionamento de energia ora vigente é uma prova de que não teremos água para atender a tudo isso (geração, irrigação e abastecimento). Caso a sociedade concorde na necessidade de serem planejados os usos múltiplos das águas do São Francisco, através de um orçamento que garanta os volumes necessários para tal, seria de bom termo que essa decisão fosse tomada com certa antecedência, para possibilitar, ao setor elétrico, tempo suficiente para se organizar e alterar a origem da energia (mais de 90% da energia gerada no Nordeste são oriundos das hidrelétricas existentes no São Francisco). Essas medidas são indispensáveis, pois ajudarão a população a se conscientizar da importância da questão - Água - no contexto desenvolvimentista do país, em particular da região nordeste.
Ação muito mais coerente, quanto a esse aspecto, seria a de se propiciar um melhor gerenciamento no uso das águas das grandes represas do Nordeste. Orós, no estado do Ceará, por exemplo, que possui 2 bilhões de m³ de água, até hoje não justificou o porquê da sua construção. As águas estão lá se evaporando e não se conhece um projeto de envergadura que justifique a sua condição de maior represa do Ceará. O estado da Paraíba assumiu a vanguarda na campanha de um bom gerenciamento das águas de represas. Está para ser concluído o canal Redenção que irá transportar as águas dos açudes Coremas/Mãe D’água para irrigação nas várzeas do município de Souza. A represa Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte, que chega a ser um pouco maior que Orós (possui 2,2 bilhões de m³) está irrigando os municípios de Açu e Ipanguaçu e têm surgido vários pólos interessantes de fruticultura na região. Esta represa sozinha teria condições de abastecer, com 200 litros/habitante/dia, toda a população norte-rio-grandense, nos próximos vinte anos. O bom uso das águas das represas, seria uma alternativa mais coerente na atual conjuntura, em detrimento da alternativa de transposição das águas do São Francisco.
Outras questões também são merecedoras de apoio, como forma de se tentar minimizar os problemas de abastecimento das regiões sedentas nordestinas.
É preciso que se dê continuidade ao processo de construção de grandes represas na região, fazendo-se, sempre que possível, a interligação de suas bacias, como forma de utilizar melhor as suas águas. A perfuração de poços em regiões sedimentárias é outra alternativa importante, a qual deve ser apoiada conjuntamente com a ampliação do programa de construção de cisternas no meio rural, principalmente para o atendimento das comunidades carentes (uma cisterna de 12.000 litros abastece, com água potável, uma família de 5 pessoas durante os oito meses sem chuvas na região), e com as pesquisas na reutilização de águas servidas para usos menos nobres, tais como aguar jardins, lavar calçadas, automóveis, dar descargas em sanitários etc.. É preciso, contudo, que se ponha em prática a cobrança da água, prevista no Código das Águas de 1934, que já estabelecia a água como um bem público e, portanto, sujeita a outorga e a cobrança, prevendo-se o destino do dinheiro cobrado em aplicações nas próprias bacias.
Outro aspecto importante e merecedor de atenção é o setor extrativista vegetal. Tem-se no Semi-árido uma riqueza enorme de plantas adaptadas ao ambiente seco que poderiam ser economicamente exploradas. Alguns exemplos podem ser citados: como produtoras de óleos, Catolé, Faveleira, Marmeleiro e Oiticica; de látex, Pinhão, Maniçoba; de ceras, Carnaúba; de fibras, Bromeliaceas; medicinais, Babosa, Juazeiro; frutíferas, Imbuzeiro e, de um modo geral, as forrageiras. Tem-se um número enorme de plantas e, praticamente, não se conhece nada sobre elas. Portanto, a conservação da caatinga e o manejo florestal, no sentido de proporcionar a permanência de tais espécies no ambiente, e, consequentemente, o seu usufruto pela população, são caminhos que precisam ser perseguidos para recuperação da cobertura vegetal. Ações de governo, nesse sentido, são importantíssimas.
No tocante ao reflorestamento, com plantas exóticas, necessita-se de melhor estudo para se ter maior segurança ao introduzi-las no Semi-árido. Na área do sertão do Moxotó, já existem exemplos de reflorestamento com eucalipto, com conseqüências danosas para o solo.
A pecuária talvez seja a mais importante das alternativas para a região seca, principalmente por se tratar de uma região carente em proteína. Ações realizadas com sucesso no Carirí paraibano, especificamente no município de Taperoá, têm demonstrado que o cultivo da palma e a fenação de forrageiras resistentes à seca, como é o caso do capim Buffel e do Urocloa, aliado à criação de um gado igualmente resistente e de dupla aptidão (carne e laticínios), a exemplo do Guzerá e do Sindi oriundos dos desertos da Índia e de pequenos ruminantes melhorados geneticamente (caprinos e ovinos), têm possibilitado a sobrevivência digna do homem na região.
A piscicultura é outra alternativa que poderá ser desenvolvida através da utilização do potencial de açudes já instalado. Ações governamentais que dêem suporte aos produtores, sejam eles pequenos, médios ou grandes, principalmente no setor de crédito rural, são importantes e oportunas.
É igualmente importante o suprimento de volumoso para os animais nos períodos de estiagem. Para tanto, seria indispensável uma política de fornecimento de bagaço de cana, oriundo das usinas de açúcar localizadas nas regiões úmidas do Nordeste, para ser hidrolizado e ofertado aos animais nas fazendas.
É preciso que se olhe com reservas o cultivo de grãos nos limites do Semi-árido. A instabilidade climática da região é severa e torna a produção de grãos uma verdadeira loteria. Não se pode expor o homem nordestino a situações vexatórias de preparar o solo, plantar as sementes e ver, posteriormente, a produção se perder com a seca. Estudos da EMBRAPA atestam que as colheitas seguras, nos limites do Semi-árido, ocorrem em apenas 20% dos casos. Em 10 anos agrícolas, apenas 2 apresentam colheitas com sucesso. Este percentual é muito baixo se levado em consideração que a fome dos animais, aí incluído o homem, ocorre em 100% dos casos. Atualmente, basta a ocorrência de uma única chuva para levar os governos estaduais a abarrotarem o Semi-árido com sementes selecionadas, e acharem que essa prática é sinônimo de boa administração. O que ocorre, na maioria das vezes, é que outras chuvas demoram a cair e todo o trabalho do nordestino no preparo do solo e plantio é desperdiçado, e o que é pior, ele normalmente não dispõe de outra alternativa que lhe garanta o sustento e a vida. Muitas vezes termina por se alimentar de cactáceas - alimento que é fornecido aos animais em períodos críticos - como única opção de alimento disponível, como se verificou, por várias vezes, em Pernambuco. Como produzir grãos numa região com problemas climáticos tão severos, se há condições de se produzir, e com competência, a proteína animal em termos de carne, leite, ovos e peixes e, a partir desses produtos, adquirir os grãos necessários à alimentação, produzidos em outras localidades do país, em condições mais propícias para assim fazê-lo ? É uma questão de se adequar uma política agrícola, (da qual efetivamente não se dispõe) a uma realidade regional.
Finalmente, procedida a avaliação das possibilidades reais de irrigação e reformulada, em profundidade, a política de intervenção do Estado nas outras alternativas de produção agrícola, torna-se necessário planejar soluções gerais e locais que impliquem opções culturais adequadas à irrigação, às práticas agrícolas de uma maneira geral, e à comercialização da respectiva produção. Sobre essas questões é de fundamental importância a criação de um programa de crédito rural que adeqüe a política agrícola a uma realidade regional, no qual os produtores nordestinos tenham possibilidades de pagar suas dívidas com o produto gerado nas suas propriedades.
Em qualquer circunstância, impõe-se condicionar qualquer obra pública de irrigação à prévia desapropriação das áreas a serem beneficiadas. As terras irrigadas pelo poder público, bem como aquelas com melhores solos, devem ser destinadas ao pequeno agricultor. Deixam-se, portanto, aquelas que demandam manejo sofisticado para as empresas que dispõem de capital e meios de torná-las produtivas. É necessário, ainda, um grande esforço da pesquisa agrícola no sentido de desenvolver sistemas de produção, contemplando, de modo integrado, as culturas, os cultivares, as raças específicas de animais para criação em ambiente árido, o uso de insumos, a nutrição das plantas e dos animais, as necessidades hídricas, os aspectos fitossanitários, etc., utilizando, inicialmente, o estoque de conhecimentos já desenvolvido pelas instituições de pesquisa da região.
Proposta de ações
Crédito rural
Criação de um programa de crédito, adequando a política agrícola à realidade regional, que possibilite aos produtores, sejam eles pequenos, médios ou grandes, a quitação de suas dívidas com o produto gerado nas propriedades;
Irrigação e abastecimento
Desenvolvimento de estudos e pesquisas que promovam um melhor conhecimento dos fatores causadores da salinização em ambientes áridos;
Desenvolvimento de planos de manejo para uso de águas salinas;
Promoção de pesquisas visando à determinação do comportamento de certas culturas quando submetidas à irrigação com águas salinas;
Seleção de espécies halófilas (plantas que se desenvolvem em ambientes salinos), e seu cultivo em locais comprovadamente degradados pela ação dos sais;
Desenvolvimento de técnicas de recuperação de solos salinos que sejam economicamente viáveis;
Desenvolvimento de estudos visando ao levantamento preciso do potencial irrigável de todo o Nordeste, incluindo as áreas aluviais e aquelas localizadas em regiões sedimentárias;
Apoio para o melhor gerenciamento no uso das águas das grandes represas nordestinas, tanto para irrigação, como para o abastecimento das populações, incluindo a interligação de suas bacias, como forma de se utilizarem melhor as suas águas;
Apoio a programas de instalação de cisternas no meio rural, principalmente para o atendimento às comunidades carentes e, dependendo da situação de precariedade na oferta hídrica, a sua extensão para o meio urbano;
Estudos visando a reutilização de águas servidas para fins menos nobres, tais como: na irrigação de jardins, nos lava-jatos, na lavagem de calçadas, em descargas sanitárias e em alguns usos industriais;
Cobrança da água, conforme prevista no Código das Águas de 1934, que já estabelecia a água como um bem público e, portanto, sujeito à outorga e à cobrança.
Extrativismo vegetal
Aprofundamento de estudos das plantas da caatinga, que permita o levantamento do potencial frutícola, forrageiro e de produção de fármacos, bem como o de extração de óleos, látex, ceras e fibras, com vistas a evitar a extinção de espécies na região e, consequentemente, possibilitar o seu uso pela população;
Desenvolvimento de estudos sobre o plantio de espécies florestais exóticas, com vistas a se ter mais segurança na sua introdução, principalmente com relação aos danos causados ao meio.
Pecuária
Desenvolvimento de ações, no sentido de fortalecer o processo de criação de raças bovinas adaptadas à região, oriundas dos desertos da Índia (Guzerá e Sindi), bem como de pequenos ruminantes melhorados geneticamente, com vistas a possibilitar a sobrevivência digna do homem nos períodos de estiagem;
Ampliação do cultivo da palma forrageira, bem como o de forrageiras perenes, a exemplo dos capins buffel e urocloa, como forma de estabelecer suporte alimentar suficiente aos animais no período de seca;
Estabelecimento de políticas que possibilitem aos fazendeiros do Semi-árido, a aquisição de bagaço de cana das usinas de açúcar, em volume suficiente para o atendimento das necessidades dos animais no período de estiagem;
Desenvolvimento de pesquisas para determinação do melhor processo de hidrólise do bagaço de cana para ser ofertado aos animais;
Produção de grãos
Incentivo ao plantio de culturas de grãos (milho e feijão) nas regiões com características de umidade compatível ao desenvolvimento de tais culturas, como por exemplo, nos brejos de altitude.
Necessidade de pesquisas
Aproveitamento do conhecimento gerado nas instituições e centros de estudos da região, para promover o apoio às pesquisas que visem ao desenvolvimento de sistemas de produção de forma integrada, contemplando as culturas, os cultivares, os espaçamentos, a pecuária adaptada a ambientes secos, o uso de insumos, a nutrição das plantas e dos animais, as necessidades hídricas, e os aspectos fitossanitários.
Recife, 07 de fevereiro de 2002.
Hidrelétrica de Xingó, podendo-se observar em seu lado esquerdo superior, os quatro orifícios na parede represa, para futuras instalações de máquinas (foto do Google).
As regiões do Alto e Médio São Francisco, localizadas no Estado de Minas Gerais, são responsáveis pela formação de cerca de 70% do volume da água existente no Velho Chico. O Estado de Minas é, portanto, o nascedouro e o principal responsável pela gênese volumétrica daquele rio, caudal que tem uma vazão média histórica de cerca de 2800 m³/s.
A construção da represa de Sobradinho, no final de seu Médio curso, com capacidade de 34 bilhões de m³ (volume correspondente a aproximadamente 14 baías da Guanabara), foi de fundamental importância para a regularização da vazão do rio, cabendo às chuvas, que ocorrem sobre as citadas regiões mineiras, a manutenção do regime de enchimento da referida represa.
Elas são intensas, no período de novembro a abril, intervalo no qual Sobradinho pode atingir a sua capacidade máxima; e reduzidas de intensidade, de maio a outubro, quando a represa utiliza o volume acumulado, no período chuvoso, para a manutenção da vazão do rio, nos seus cursos Submédio e Baixo São Francisco, regiões onde estão localizadas suas usinas hidrelétricas.
O ex- ministro de Minas e Energia, José Jorge, em pronunciamento no Senado Federal, em 2002, alertou a Nação brasileira sobre o indesejável risco hidrológico existente quanto ao uso das águas do Rio São Francisco o qual, segundo ele, deveria exigir atenção redobrada, por parte das autoridades do setor elétrico. Infelizmente foi ignorado, como se não houvesse irrigação na bacia do rio, e o estoque de água de Sobradinho – à época com 40% de sua capacidade útil - estivesse em níveis satisfatórios, sem haver, portanto, a probabilidade de novos racionamentos de energia, como ocorreu em 2001.
Sua excelência estava com a razão ao fazer aquele pronunciamento, como se demonstra, a seguir, de forma muito simples: em outubro de 1955, o rio São Francisco apresentou um volume de apenas 595 m³/s, tendo registrado, em anos subsequentes, enchentes monumentais, de cerca de 20 mil m³/s.
Essa característica hidrológica do rio (secas e enchentes em sua calha) demandava um mecanismo que, além de regularizar sua vazão, impedindo comprometimento na geração de energia no Complexo de Paulo Afonso, amortecesse os piques de cheias frequentes em sua bacia hidrográfica. A solução encontrada pela Chesf foi a construção da barragem de Sobradinho, que conseguiu a proeza de regularizar a amplitude volumétrica que havia até então, mantendo a vazão média do rio em 2060 m³/s.
Ocorre que, a caída de chuvas abaixo da média se tornou um fato corriqueiro na bacia do São Francisco. Esse fenômeno, aliado ao uso indiscriminado de suas águas nos projetos de irrigação, bem como nas atividades interligadas ao setor elétrico brasileiro (as hidrelétricas do São Francisco têm gerado e enviado energia para consumo em outras regiões do País), vêm resultando em frequentes depreciações da represa de Sobradinho, a ponto de torná-la, cada vez mais, incapaz de cumprir os objetivos para os quais foi idealizada.
Para se ter ideia dessa problemática, no mês de abril do corrente (2013), a represa de Sobradinho, que deveria estar próxima ao vertimento (sangria), apresentava, apenas, cerca de 35% do seu volume útil. Muito pouco, portanto, para uma represa que tem importância vital no atendimento das demandas do setor elétrico nordestino.
As consequências disso passaram a se refletir em dificuldades na geração de energia pelo sistema Chesf. O sistema já não consegue mais gerar a energia necessária para o desenvolvimento do Nordeste. Em 2010, por exemplo, as suas hidrelétricas geraram 6000 MW médios e a região necessitou de 8000 MW médios. Dois mil megawatts médios já tiveram que vir de outras regiões geradoras do País.
Atualmente, no mês de novembro, Sobradinho encontra-se com menos de 25% de sua capacidade. Só há uma maneira para se recuperar uma represa desse porte: fazendo com que o volume de água que entra (volume afluente), seja maior do que o volume que sai dela (volume defluente).
Tentando minimizar o problema, a Chesf conseguiu autorização da Agência Nacional de Águas (ANA) para lançar, de Sobradinho para o Submédio e Baixo São Francisco, cerca de 1100 m³/s, o que contraria uma determinação do IBAMA, que exige, em sua foz, volume de cerca de 1300 m³/s, as chamadas vazões ecológicas.
Temos acompanhado sistematicamente de perto o regime de recuperação volumétrica daquela represa e publicado as informações no Portal Rema Atlântico. Ora, se atualmente estão sendo lançados, de Sobradinho para o Sub Médio e o Baixo São Francisco, apenas cerca de 1100 m³/s, um volume muito parecido deve estar chegando à foz do rio. E, quando isso ocorre, o peixe desaparece das redes dos pescadores, os bancos de areia se evidenciam e a cunha salina tende a adentrar mais ainda em direção à nascente do rio.
Ainda em relação às questões volumétricas do Velho Chico, José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, experiente hidrogeólogo paraibano, relata, em um de seus trabalhos, a influência das vazões de base, provenientes dos principais aquíferos do São Francisco, na garantia da regularização do rio.
Nesse trabalho, ele alerta sobre as consequências que a exploração da água nos projetos de irrigação, sem o devido controle, poderá exercer no fluxo basal ao escoamento fluvial que chega a Sobradinho, o que poderá acarretar, em futuro próximo, a redução significativa da vazão de regularização da referida represa, com reflexos nefastos na geração de energia e no atendimento de outras demandas, inclusive no projeto de transposição.
Essas análises de Patrocínio são muito pertinentes e já nos levam a crer que a vazão regularizada do Velho Chico já está sofrendo influências reais, sobretudo da irrigação pesada, com a utilização de fortes demandadores de água, a exemplo do pivô central, sobre o aquífero Urucuia, no extremo oeste da Bahia, principalmente nas culturas do café e da soja.
Nossa crença se deve à observação do comportamento da vazão média regularizada do rio que vem caindo de forma assustadora: após a construção de Sobradinho, se apresentava na esfera dos 2060 m³/s. Atualmente, mensurações dão conta de cerca de 1850 m³/s, em sua foz. Esse fato tem-nos preocupado sobremaneira, principalmente em relação aos alertas de Patrocínio.
Fizemos questão de fazer esse breve histórico da problemática da vazão do Rio São Francisco, para mostrar a incapacidade do rio de comprometimento com novas demandas, principalmente aquelas que surgirão quando da ampliação do parque de geração de energia elétrica da região.
Essa questão da geração de energia em rios com problemas de vazão foi questionada por Célio Bermann, ao escrever o capítulo Impasses e controvérsias da hidreletricidade, no Dossiê de Energia da USP (vol 21 nº 59 jan/abr 2007), o qual tratou da complementação da motorização do sistema elétrico do complexo Chesf. No referido capítulo Bermann menciona o seguinte:
“A Usina de Xingó foi projetada para abrigar dez turbinas de 500 MW, de forma a possuir uma capacidade instalada total de 5.000 MW. Entretanto, atualmente apenas seis turbinas estão instaladas. Trata-se, portanto, de 2.000 MW que poderiam ser acrescentados se as outras quatro turbinas previstas fossem instaladas. A Usina de Itaparica também apresenta condições semelhantes.
Projetada inicialmente com dez turbinas de 250 MW, ela conta atualmente com apenas seis turbinas, perfazendo 1.500 MW. Outros 1.000 MW poderiam ser acrescentados se as turbinas fossem instaladas. Com respeito às duas usinas no rio São Francisco, continua Bermann, a Companhia Hidrolétrica do São Francisco alega que houve um superdimensionamento nos dois projetos e que não existe água suficiente (grifo nosso) para efetivar a complementação da motorização de ambas."
Foi nesse cenário de penúria hídrica, que recentemente tivemos acesso a um vídeo publicitário, que mostra as pretensões do Governo Federal de construir uma nova hidrelétrica, a montante de Xingó e do complexo de Paulo Afonso: A Hidrelétrica de Riacho Seco.
Essa hidrelétrica, localizada no município de Santa Maria da Boa Vista (PE), próxima ao lugarejo denominado Riacho Seco, faz jus ao nome que recebeu. A geologia da região é de embasamento Cristalino e os cursos d´água existentes na localidade são temporários (eles interrompem seus fluxos na época de estiagem).
De acordo com o vídeo em questão, essa hidrelétrica, irá operar a fio d´água, com 8 máquinas tipo Bulbo, utilizando baixa queda (cerca de 9 m) e grandes vazões, com potência total de 276 MW e custo estimado em R$ 1,5 bilhão de reais. Pelo fato de ser a fio d´água, essa hidrelétrica não terá reservatório de acumulação (as águas irão atingir apenas a cota máxima de cheias do rio) e, portanto, não terá poder de regularização de vazões a sua jusante.
Ora, fica muito difícil de entender o fato acima relatado, principalmente diante da impossibilidade da conclusão da motorização de Itaparica e Xingó, devido à inexistência de vazão no rio. Apesar de sabedoras dos indesejáveis riscos hidrológicos existentes no Rio São Francisco, mesmo assim, as autoridades elaboraram a proposta para construção dessa nova hidrelétrica a montante de Itaparica, em cujo local são frequentemente auferidas vazões diminutas e, portanto, inadequadas à geração de energia com a segurança desejada. O rio São Francisco não terá vazão suficiente para gerar energia com essa nova hidrelétrica!
Por que 8 máquina, ao invés de 3 ou 4? Não seria, portanto, muito mais lógico e economicamente mais barato, a motorização de mais uma máquina em Itaparica, cuja potência equivale àquela que poderá ser gerada pelas 8 máquinas de Riacho Seco, do que se partir para a construção de uma nova hidrelétrica no rio?
Finalmente, e diante do relato acima, torna-se imperioso que as autoridades do setor elétrico do nosso País divulguem, junto à sociedade nordestina, documentos que atestem não só a viabilidade técnica e econômica da construção da Hidrelétrica de Riacho Seco (em local cuja vazão do rio está sendo deliberadamente manipulada em detrimento da recuperação volumétrica da represa de Sobradinho), como também justifiquem a impossibilidade de conclusão da motorização das hidrelétricas de Itaparica e Xingó (localizadas em sua parte jusante), em razão da debilidade hídrica no rio para o atendimento das demandas do setor elétrico. Com a palavra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).
O plantio de milho e feijão, na dependência de chuvas, no Nordeste Semiárido, é uma atividade que não faz parte das nossas propostas de convivência com o clima da região. O clima semiárido é muito irregular, no tocante à caída das precipitações, portanto, inadequado ao cultivo de tais culturas, quando plantadas em regime de sequeio (na dependência única e exclusiva das chuvas). Não assinaria embaixo uma proposta como essa, que viesse a pôr em risco o sustento e a vida do cidadão que reside no Polígono das Secas.
Em recente entrevista na mídia, Manelito Dantas Vilar, proprietário da fazenda Carnaúba, localizada no município de Taperoá (PB), no Semiárido paraibano, fez comentários sobre a loteria existente na caída das chuvas no Cariri do Estado, fazendo referência à semelhança existente com as precipitações de Paris, na França. Segundo ele, em Paris, as precipitações alcançam um volume médio anual de cerca de 600 mm, equivalente ao que é precipitado na região de Taperoá, em igual período. Apenas salientou uma diferença fundamental: as chuvas de Paris ocorrem em 183 dias, de forma bem distribuída no tempo e no espaço. Já as do Cariri paraibano ocorrem em cerca de 42 dias, no máximo, portanto concentradas irregularmente em curto período de tempo.
Essa característica é imperiosa de ser observada, pois é, com ela, que advêm todas as impropriedades de se plantar, na região, as culturas de subsistência, que necessitam de umidade suficiente, e em momentos bem específicos do desenvolvimento da planta, para a satisfação de seu ciclo biológico de: germinar, se desenvolver, florir e frutificar. Faltando a umidade necessária, em um dos segmentos do ciclo, haverá certamente a quebra da safra das culturas, com as consequências nefastas à vida do produtor rural, tão bem conhecidas por todos nós nordestinos.
Uma planta de milho ou de feijão leva, em média, cerca de 90 dias para ser colhida. Na região semiárida, a semeadura dessas culturas costuma ocorrer no dia de São José (19 de março), para ser colhida no dia de São João (24 de junho). É a esperança do sertanejo de vir a ter milho verde no período junino, para a confecção das variadas iguarias de milho, tão apreciadas na região. É por essa razão que as chuvas ocorridas no dia de São José, enchem de esperanças o sertanejo, na crença de um ano com chuvas regulares e, portanto, de boas colheitas.
Como produzir grãos numa região com problemas climáticos tão sérios, se podemos produzir, e com competência, a proteína animal em termos de carne e leite e, a partir desses produtos, adquirir os grãos necessários à alimentação, produzidos em outras localidades do país, com condições mais propícias para assim fazê-lo? É uma questão de se adequar uma política agrícola, que efetivamente não temos, a uma realidade regional.
A Embrapa vem trabalhando a genética das plantas de milho e feijão, no sentido de torná-las precoces. Esse trabalho tem chegado a resultados interessantíssimos. Recentemente, a instituição desenvolveu nova variedade de feijão Caupi, com ciclo vegetativo inferior a 60 dias. Com esses resultados, a sua intenção é o de aumentar as chances nos plantios dos cultivares, quando realizados em regime de sequeiro, ou seja, a expensas das chuvas que, normalmente, ocorrem na região.
Respeitando as intenções da Embrapa nesse trabalho, mas a nossa opinião é a de que, mesmo com a utilização de cultivares precoces, os resultados nele obtidos não irão alcançar o sucesso desejado pelos pesquisadores, pelo simples fato de não haver ainda, na ciência, mecanismos de se fazer chover no momento adequado e nas quantidades volumétricas suficientes para a satisfação dos cultivos. Ora, no caso do Cariri paraibano, as chuvas são concentradas em 42 dias do ano.
Nesse diminuto intervalo de tempo, torna-se impossível se prever a caída das chuvas, em volumes suficientes e no momento adequado, necessárias ao cumprimento do ciclo biológico dos vegetais, mesmo com as novas características de precocidade adquiridas. No caso do milho, por exemplo, em linguagem sertaneja, faltará sempre a chuva da “boneca” (fase vegetativa na qual a espiga está formada e os grãos estão em processo de desenvolvimento) e no do feijão o problema irá residir na fase de desenvolvimento dos grãos.
Na visão de José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, um dos maiores hidrogeólogos do Nordeste, os cultivos de subsistência no Semiárido são importantes, desde que haja aportes hídricos para realizá-los. Segundo ele, “ a alternativa correta na produção de alimentos, não é somente uma (sequeiro), mas a correção das irregularidades que o afetam pelo uso dos recursos hídricos acumulados, seja superficialmente, seja subterraneamente. Além, é claro do incremento do xerofitismo. Porém, sem radicalismos.
As águas subterrâneas continuam desconhecidas e, por isso, subestimadas em sua importância na correção de tais irregularidades. Principalmente as contidas nos aquíferos aluviais (há, inclusive, aquíferos aluviais intermitentes, como os rios, cujas águas não são aproveitadas e se perdem, também, por evaporação).
Só um programa de pesquisas com sondagens poderia revelar onde e como dispor de todas estas águas subterrâneas dos aquíferos aluviais. Isso e tantas outros estudos e ações governamentais é o que falta para encarar, com relativo sucesso, o problema de nosso Semiárido”.
Isso posto, defendemos um novo modelo de exploração agrícola para ser implantado no Semiárido. Esse modelo deve passar, necessariamente, pela exploração racional da capacidade de suporte da região, com a utilização dos elementos biológicos solo, água, plantas xerófilas, e animais adaptados, fugindo, sempre que possível, das culturas de grãos na dependência de chuvas (culturas de sequeiro). A instabilidade climática da região é muito severa, resultando, invariavelmente, em perdas frequentes de safras.
Finalizamos essa breve análise, com uma observação feita por Mônica Silveira, repórter da Globo Nordeste, quando da realização da Série sobre a Seca de 2013, editada no mês de maio, no Recife. Numa hora em que estavam recolhendo, na caatinga, as carcaças dos animais mortos pela seca, a repórter se referia aos laticínios produzidos na fazenda Carnaúba, evidenciando a possibilidade de, mesmo em período de seca severa, se “produzir queijos finos no Semiárido, temperados com plantas nativas da Caatinga, direto da região mais seca do Brasil. Segundo ela, delicadeza e sabor para alcançar paladares de quem nem imagina o que é a luta para enfrentar tanta adversidade”.
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